Burlas e mentirolas

Jorge Cordeiro

Mesmo conhecendo-se que não se deve mexer no que está enterrado justifica-se ainda assim voltar a uma das mais visíveis burlas políticas que o governo de Passos e Portas inscreveu na sua passagem pelo poder. Aludimos, naturalmente, à sobre-taxa e à cenoura eleitoral que a sua devolução constituiu, a que não faltou, como nos grandes golpes não falta, a minúcia da encenação que o designado «simulador» do Portal das Finanças preencheu.

A sua evocação não é determinada pelo receio de que tendo sido enterrado possa agora ressuscitar. Voltar ao assunto encontra, sobretudo, razão nesta comprovada falta de memória que a vertigem dos acontecimentos, por mais vis que sejam, acabam por ter na voragem noticiosa que nos submerge. Daqui a poucos meses poucos se lembrarão da golpada política do anterior governo, ainda que seguramente muitos portugueses se tenham decidido, eleitoralmente, em função daquele logro. Talvez ainda menos se lembrem do modo como Passos Coelho sacudiu, em entrevista a um canal de televisão, as suas responsabilidades, por mais difícil que a escolha se apresente entre o que daquela entrevista se deve eleger como mais indigno: se a tentativa de se defender invocando não de tratar de uma promessa mas tão só de uma previsão; se a ligeireza com que tentou transferir explicações para os titulares da pasta das Finanças. Como ainda menos são os que se lembrarão do papel amplificador do semanário «Expresso» naquela burla política. Não fosse a manobra eleitoral de PSD e CDS suficientemente eficaz, aí tivemos aquele jornal a titular a uma semana das eleições «Devolução da sobre-taxa cada vez mais próxima». E para que dúvidas não subsistissem quanto ao seu alinhamento com Passos e Portas foi ver o «Expresso» a escrever exultante, não fosse a burla passar despercebida, que se o «governo conta com 35 por cento de devolução, o simulador do Expresso aponta para valores entre os 60 por cento e os 100 por cento»! Diz-se, e com verdade, que a mentira tem a perna curta. E apesar da memória não ser, em regra, muito mais longa do que a perna, a verdade é que a mentira vem sempre ao de cima mesmo quando aquela é difundida por quem se arvorando de «referência» não passa de uma mera bússola que o magnetismo do grande capital determina.




Mais artigos de: Opinião

Ei-los

A Assembleia da República vota hoje o programa de Governo e a moção de rejeição que será apresentada por PDS e (talvez) CDS. Sem pretender fazer futurologia, dado que esta crónica é escrita na véspera, é caso para dizer, parafraseando Santana Lopes,...

A azia das avantesmas

A experiência e o saber colectivo de séculos de grandes batalhas pela emancipação dos trabalhadores e dos povos demonstram à exaustão o ódio brutal das classes dominantes contra quaisquer avanços, por pequenos que sejam, de liberdade, democracia e justiça...

Um herói sírio

Khaled al-Assad, 82 anos, perito em questões do património histórico e artístico da Síria, foi há pouco mais de três meses decapitado pelo Daesh na praça central da cidade histórica de Palmira. O seu corpo mutilado foi pendurado de uma coluna romana. A...

Sobre a COP 21<br>e o combate às alterações climáticas

Está a decorrer, em Paris, a Conferência no âmbito das Convenções Quadro sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas, num quadro em que é aceite que deveria haver definição de objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa mais ambiciosos.

Para onde vai a França?

Já sabíamos que as «cimeiras» em que participam as grandes potências imperialistas são sempre rodeadas de medidas de segurança espectaculares que, mais que proteger, visam colocá-las à distância das populações e ao abrigo de...