Para onde vai a França?

Albano Nunes

A justificação é a «guerra ao terrorismo» decretada por Hollande

Já sabíamos que as «cimeiras» em que participam as grandes potências imperialistas são sempre rodeadas de medidas de segurança espectaculares que, mais que proteger, visam colocá-las à distância das populações e ao abrigo de incómodas manifestações populares, mas as medidas em torno da realização da Conferência da ONU sobre as alterações climáticas/COP21 suscitam a indignação e o protesto dos meios democráticos da sociedade francesa. Na imprensa chamam a atenção títulos como «mais de 120 000 polícias e militares protegem a cimeira do clima», «Paris recebe cimeira do clima em pleno estado policial», «a segurança foi reforçada, as manifestações de rua canceladas». A justificação é a «guerra ao terrorismo» decretada pelo governo de Hollande na sequência dos criminosos ataques de 13 de Novembro. A verdade porém é que soam cada vez mais alto as vozes que denunciam a deriva securitária e militarista a que esta «guerra» está a conduzir, com uma inquietante escalada no ataque a direitos e liberdades fundamentais, à aceitação crescente das teses musculadas de Sarkozy e a um anunciado novo avanço da extrema direita nas próximas eleições regionais de 6 de Dezembro.

 

Para onde vai a França, um dos principais países capitalistas, membro do Conselho de Segurança da ONU, potência nuclear, com papel destacado na União Europeia e com posições económicas, políticas e militares (estas em vertiginoso crescimento) em África em países que procura recolonizar? Um país influente na cena internacional cuja evolução não pode deixar indiferente nenhum revolucionário. E tanto mais quanto a burguesia francesa tem um longo historial de crimes contra-revolucionários, com destaque para os que cometeu contra o movimento operário e contra o impetuoso movimento de libertação nacional que, da Indochina à Argélia, pôs fim ao seu vasto império colonial. A sangrenta vingança sobre os «communards», a violentíssima opressão de que o povo vietnamita só se libertou com a resistência heróica que a vitória de Dien Bien Phu simboliza, a capitulação diante de Hitler e o regime colaboracionista de Vichy, o terrorismo fascista da OAS contra os patriotas argelinos, são exemplos da violência com que a grande burguesia francesa tem defendido os seus privilégios de classe e constituem por si sós um alerta para os perigos que a deriva securitária do governo de Hollande representa. A violenta repressão dos manifestantes da Praça da República mostra bem como as «forças da ordem» se exercitam na perspectiva de inevitáveis explosões de protesto e luta popular, justificando a maior inquietação quanto ao caminho que a classe dominante francesa está disposta a trilhar.

 

Mas a reacção francesa não tem o caminho livre. Há uma outra França, popular e revolucionária. A França das Luzes, da grande Revolução de 1789 que projectou no mundo os ideais de «Liberdade, Igualdade e Fraternidade», da primeira revolução social em que a classe operária se apresentou com as suas reivindicações próprias (1848), da revolução da Comuna de Paris (1871) em que pela primeira vez os trabalhadores conquistaram o poder, do histórico Congresso de Tours e do papel insubstituível dos comunistas na vida do seu país, da Frente Popular, da Resistência heróica à ocupação nazi. A França dos valores progressistas, da Cultura, da Liberdade, internacionalista. A França onde tantos anti-fascistas portugueses encontraram refúgio seguro e conheceram o calor da solidariedade dos trabalhadores e do povo francês. Esta França está de novo em perigo. Mas uma vez mais triunfará.



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