Turquia amordaçada
O Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) falhou o propósito de alcançar dois terços dos deputados nas legislativas antecipadas na Turquia, apesar de ter vencido um sufrágio marcado pela repressão e a violência.
A campanha eleitoral foi caracterizada pelo medo
No sufrágio realizado domingo, 1, o AKP obteve cerca de 50 por cento dos votos contra os 24,5 por cento alcançados pelo Partido Popular Republicano (social-democrata) e os 12 por cento do Partido da Acção Nacionalista (de direita). Apesar de ter assegurado a maioria absoluta com pelo menos 315 deputados em 550, o AKP não conseguiu os dois terços dos assentos que lhe permitiriam alterar a Constituição da República, ambição expressa pelo ex-primeiro-ministro, actual presidente e líder dos islamitas conservadores, Recep Erdogan, que pretende, entre outras alterações, reforçar os seus poderes impondo um regime presidencialista.
Um outro objectivo falhado pelo AKP foi o afastamento do Partido Popular Republicano (HDP) do parlamento. A formação democrática pró-curda foi, a 7 de Junho, em boa parte responsável pela perda da maioria absoluta que a organização política de Erdogan detinha no hemiciclo. Nas legislativas antecipadas do passado domingo, o HDP conseguiu 10,4 por cento dos votos ultrapassando a barreira legal que o deixaria sem deputados.
A marcar as eleições na Turquia, além do mais e sobretudo, está a intensa campanha repressiva e de condicionamento das escolhas, e a violência e o medo como instrumentos de reforço dos situacionistas no poder.
Liberdade condicionada
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, insuspeitas de simpatias para com as forças progressistas e de esquerda turcas, foram obrigadas a admitir que «a rápida diminuição na diversidade de meios de comunicação social e as restrições na liberdade de expressão influenciaram o processo».
Ambas notaram ainda que «tanto os ataques físicos a membros de partidos como uma importante preocupação ao nível da segurança, especialmente na região sudeste da Turquia, impuseram restrições»; que o atentado do passado dia 10 de Outubro contra uma manifestação pela paz e a democracia, em Ancara, capital do país, com um saldo de 102 mortos, «afectou significativamente a atmosfera da campanha», e que nas últimas duas semanas sobressaem «ataques e detenções de militantes e activistas de partidos, grande parte do HDP».
«A campanha eleitoral foi caracterizada pela arbitrariedade e pelo medo», consideram as organizações que, contraditoriamente, não colocam em causa a legitimidade da vitória do AKP.
Durante o período eleitoral, o governo turco intensificou a campanha militar contra o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, com o qual rompeu as negociações de paz a 24 de Julho. O movimento pela paz e os independentistas curdos foram colocados no mesmo patamar «antipatriótico» do Estado Islâmico (que tem merecido inegável apoio da Turquia na sua sanha terrorista na vizinha Síria, mas que foi responsabilizado pelo atentado de Ancara). Dois canais de televisão e dois jornais diários, bem como dezenas de páginas de Internet e perfis nas redes sociais foram encerrados pelas autoridades turcas durante a campanha. Dois pré-adolescentes de 12 e 13 anos foram acusados de insultarem o presidente Recep Erdogan quando rasgaram um cartaz com a sua cara.
Foi neste clima de terror e mordaça que o partido de Erdogan derrotou todas as sondagem, as quais nunca lhe atribuíram mais de 40 por cento dos votos.