Intolerável afronta à Constituição
A comunicação de Cavaco Silva sobre a indigitação de Passos Coelho para formar governo mereceu a mais viva condenação do PCP, que confia em que a decisão por aquele tomada tem os dias contados com a aprovação de uma moção de rejeição ao respectivo programa, o que abre a possibilidade de dar expressão institucional à vontade popular expressa nas urnas.
Cavaco Silva comporta-se como tutor da coligação PSD/CDS, em confronto com a Constituição
Uma actuação de «confronto com a Constituição», em que se assumiu «não como Presidente da República mas como representante do PSD e do CDS», assim definiu o Secretário-geral do PCP o teor da intervenção proferida há uma semana, 22, por Cavaco Silva de anúncio ao País da sua decisão de indigitar o líder do principal partido da coligação responsável pela governação nos últimos quatro anos.
Postura de confronto com a Lei Fundamental de que este foi afinal apenas «mais um episódio», já que essa tem sido uma marca indelével que «tem pautado os mandatos do Presidente da República e o seu percurso», anotou Jerónimo de Sousa, reagindo faz hoje uma semana, em conferência de imprensa no Parlamento, à comunicação feita por aquele na noite do dia anterior.
«Cavaco Silva não se limitou a comportar como tutor da coligação PSD/CDS e a usar as funções de que está investido para procurar resgatar esses partidos da expressiva derrota a que foram condenados pelo povo português», criticou o líder comunista, convicto de que aquele «exorbitou funções, abusou das prerrogativas que lhe estão constitucionalmente atribuídas, subverteu os fundamentos do regime democrático.
Mais, verberou em tom duro, Cavaco Silva assumiu-se «não como Presidente da República mas como representante do PSD e do CDS em Belém e expôs o País a uma atitude de humilhante subserviência externa».
Parcialidade
Sobre as violentas e lamentáveis palavras por aquele proferidas na comunicação que fez ao País, o dirigente máximo do PCP lembrou ainda ser exigido a Cavaco Silva que, enquanto Presidente da República, respeite a Constituição, aja com «imparcialidade e sentido de Estado», não sendo toleráveis «considerações sobre a legitimidade dos partidos e da sua acção política, muito menos dando voz a concepções anti-democráticas e fazendo juízos de intenções sobre terceiros».
«É intolerável que Cavaco Silva ouse limitar, a partir das funções que lhe estão confiadas, quem pode ou não pode exercer funções e responsabilidades governativas», argumentou Jerónimo de Sousa, sustentando ser igualmente intolerável que aquele «pretenda impor opções políticas e soluções governativas em função dos interesses ao serviço dos quais se coloca e em confronto com o quadro constitucional que está obrigado a respeitar».
Não menos intolerável, na perspectiva do PCP, é o facto de Cavaco Silva se assumir «não como garante da soberania e independência nacionais mas sim como procurador dos mercados financeiros, dos especuladores, dos interesses do capital transnacional», tal como «é intolerável que insinue, como enfaticamente insinuou, uma atitude de pressão e chantagem sobre os deputados e as opções que devem assumir».
Responder aos anseios
É assim claro para o PCP que o Presidente da República, no presente quadro e face à decisão anunciada, «torna-se responsável pela atitude de confronto com a Constituição, pela instabilidade que gera e pelas consequências políticas e institucionais dela decorrentes», sublinhou o líder comunista, antes de reafirmar que pela parte do PCP a decisão de Cavaco Silva de indigitar Passos Coelho para formar Governo «soçobrará na AR com a aprovação de uma moção de rejeição ao programa de governo que venha a ser apresentado por PSD e CDS».
Para Jerónimo de Sousa está assim aberta a «possibilidade de dar expressão à vontade manifestada pelo povo português nas eleições de 4 de Outubro, pondo termo à política de destruição, empobrecimento e declínio nacional».
«Como temos afirmado, PSD e CDS não têm condições para governar, havendo na Assembleia da República uma maioria de deputados que é condição bastante para a formação de um governo de iniciativa do PS, que permite a apresentação do Programa, a sua entrada em funções e a adopção de uma política que assegure uma solução duradoura», detalhou, antes de reiterar o compromisso do PCP de «lutar por uma política que responda de facto aos direitos dos trabalhadores e do povo, à elevação das suas condições de vida, ao combate às injustiças e desigualdades sociais, ao necessário crescimento económico e a uma efectiva política de emprego».
PEV e ID reagem
O Partido Ecologista «Os Verdes» reagiu no próprio dia 22 à decisão do Presidente da República, considerando a indigitação de Pedro Passos Coelho uma «afronta à vontade dos portugueses expressa nas urnas». O PEV garante que os resultados eleitorais «demonstraram claramente a rejeição da continuidade das políticas e da governação do PSD/CDS».
A decisão do Presidente da República, sublinha o PEV, não está sustentada na Constituição, mas «nas suas opções políticas», as mesmas que serviram de amparo a estes dois partidos durante a legislatura. A decisão de Cavaco Silva é ainda, na opinião do PEV, a que «mais contribui» para gerar a instabilidade governativa que o Presidente da República afirma querer evitar.
Revelando que votará favoravelmente as moções de rejeição ao programa do Governo PSD/CDS que foram anunciadas, o PEV reafirma que existe uma solução alternativa».
Também a Associação Intervenção Democrática reagiu à decisão presidencial através de um comunicado da sua Comissão Directiva, emitido no dia 23. Para a ID, a «inexplicável atitude» do Presidente da República vai «atrasar a exigível normalização da situação política», num momento «crucial para a vida dos portugueses». O órgão dirigente da associação que integra a CDU sublinha que os resultados eleitorais demonstraram que o povo português não quer a continuidade do governo que, nos últimos anos, actuou em «total desrespeito pela Constituição, provocou gravíssimas distorções e injustiças sociais, empobreceu o País e enfraqueceu a soberania e independência nacionais».
Acusando Cavaco Silva de se ter comportado como um «mero militante da direita e apoiante da desastrosa coligação PSD/CDS», a ID acrescenta ainda ao rol de críticas a sua «reiterada ingerência quanto à acção futura dos deputados» e o desprezo que revelou pelas maiorias parlamentares que se formaram.