Comentário

A UE da crueldade

Inês Zuber

Num período em que se torna cada vez mais evidente que da UE não vem nem solidariedade nem humanidade – não vem hoje tal como não veio em nenhum tempo, apesar do discurso da direita e da social-democracia coincidir na tese das benevolentes origens da UE – o problema dos migrantes que tentam chegar a solo da UE é paradigmático não apenas da falta de solidariedade, mas da crueldade xenófoba com que a UE trata a questão.

Nas conclusões do Conselho Europeu dos dias 25 e 26 de Junho podemos facilmente aferir essa perspectiva xenófoba pois o discurso é de tal forma claro que já nem se preocupa em disfarçar. A UE considera que a principal resposta a dar deverá ser o «combate aos traficantes e passadores» e o esforço em «reforçar a gestão das fronteiras externas da União, para melhor conter os fluxos de migração ilegal». Impedir, portanto, que os migrantes cheguem a «civilizado» solo da UE por todos os meios. Por isso, a UE, já iniciou a sua «operação naval contra o tráfico de imigrantes no Mediterrâneo» que visa «destruir embarcações utilizadas pelos traficantes» e para a qual estão a ser mobilizados navios, submarinos, aviões de vigilância e drones. Esta é não só a resposta mais desumana – o ataque militar a barcos com migrantes – mas também a mais falhada. Numa recente visita que realizámos à Sicília e Lampedusa para conhecer de perto a situação, foram várias as organizações que nos confirmaram que não raras vezes o tripulante do barco é um migrante que, sem dinheiro para pagar a travessia aos traficantes, foi obrigado por estes a pilotar o barco.

Não passa pela cabeça destes senhores que a melhor forma de fazer com que as pessoas não se vejam obrigadas a sair das suas terras é a estabilidade e a paz nos seus países, o que implicaria que a UE deixasse de se ingerir politica e militarmente nos mesmos. Nem passa pelas mentes destes ilustrados senhores que quem é obrigado a emigrar por desespero não se «desincentiva» e que a criação de rotas migratórias seguras e legais, com a posterior inclusão social dos migrantes, seria de facto uma solução solidária.

Mas a UE quer tornar bem claro que, se mostra complacência com quem pede o estatuto de refugiado – digamos que não podemos chamar-lhe propriamente uma benevolência uma vez que o acolhimento de refugiados é uma obrigação internacional no quadro da Convenção de Genebra de 1951 – já vai usar de «mão dura» em relação aos chamados migrantes económicos. Diz o Conselho Europeu que «a existência de políticas eficazes de regresso, readmissão e reintegração relativamente àqueles que não preenchem as condições para beneficiar de protecção é um elemento essencial de luta contra a migração ilegal e contribuirá para dissuadir as pessoas de arriscarem a vida». Assim, todos aqueles que saem dos seus países por não terem forma de sobreviver ou de fazer a sua família sobreviver, serão tratados como criminosos indesejáveis e, para isso, os «estados-membros aplicarão integralmente a Directiva Regresso» e o regulamento da Frontex (agência da UE para o controlo das fronteiras externas) poderá mesmo ser alterado de modo a que possa lançar «missões de regresso». Ou seja, teremos mais competências policiais para que as autoridades se assegurem de que os ditos migrantes económicos regressam às suas terras e às suas terríveis vidas.

A UE, com Schengen, fechou as suas fronteiras externas numa arrogante posição eurocêntrica e criou um dispositivo de cariz repressivo e vigilante para controlar essas fronteiras. Agora, perante o drama humano visibilizado pelos media, tenta-nos impingir a ideia de solidariedade por ter decidido recolocar nos países da UE 60 mil pessoas que necessitam de protecção internacional, 40 mil delas a título excepcional e por apenas dois anos. Este número – o número de migrantes que chega apenas à Sicília em cerca de seis meses – é tão ridículo que demostra a forma como a UE lida com a questão. Com embaraço, migalhas e desprezo. Neste quadro, a proposta de quotas obrigatórias para acolhimento de migrantes é apenas uma forma de embelezar uma política que tem como tónica essencial a repressão aos migrantes.

Por fim, o Conselho Europeu, fala em «criar instalações de acolhimento e primeiro-acolhimento nos estados-membros da primeira linha» – estes, sem dúvida necessários, e em condições de dignidade humana – mas com o apoio «da Frontex, da Europol, a fim de assegurar a rápida identificação, registo e recolha de impressões digitais dos migrantes». O texto não fala da necessidade de melhorar as condições destes centros de acolhimento que, como verificámos nas visitas que fizemos em Pozzallo e Lampedusa, são deploráveis, quer ao nível sanitário, alimentar ou de assistência psico-social. O Conselho Europeu só está preocupado em identificar os migrantes – procedimento a que muitos se recusam submeter por não quererem pedir acolhimento no país onde são identificados, tal como impõe a Convenção de Dublin – e «despachá-los» o mais rapidamente para fora da UE. A «solidariedade da UE» ao seu mais alto nível...




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