Tragédia no Mediterrâneo

Albano Nunes

Uma de­cla­ração de guerra ina­cei­tável aos mi­grantes e re­fu­gi­ados

Depois da tra­gédia de Lam­pe­dusa que em Se­tembro de 2013 so­bres­saltou o mundo, um nau­frágio de ainda mai­ores pro­por­ções vi­timou em 19 de Abril úl­timo cerca de 900 ho­mens, mu­lheres e cri­anças que fu­giam da guerra, da opressão e da mi­séria em busca de um re­fúgio se­guro. Entre estas duas tra­gé­dias muitas ou­tras cei­faram a vida a mi­lhares de seres hu­manos che­gados a uma Líbia des­tro­çada pela agressão im­pe­ri­a­lista e tor­nada pa­raíso para o crime or­ga­ni­zado, na es­pe­rança de atra­vessar o Me­di­ter­râneo.

Na União Eu­ro­peia a classe di­ri­gente agitou-se, fez mi­nutos de si­lêncio e exibiu falsos sen­ti­mentos de com­paixão, pro­meteu me­didas que con­tri­buíssem de­ci­si­va­mente para que se­me­lhantes tra­gé­dias ter­mi­nassem. Mas o que fez foi pre­ci­sa­mente o con­trário. Re­forçou a «Eu­ropa for­ta­leza», di­fi­cultou ainda mais a emi­gração legal e a con­cessão do es­ta­tuto de re­fu­giado, in­tro­duziu cri­té­rios se­lec­tivos à emi­gração de acordo com o in­te­resse das grandes em­presas e ali­mentou a fuga de cé­re­bros, chegou mesmo ao ponto de subs­ti­tuir a ope­ração ita­liana Mare Nos­trum com vo­cação para a busca e sal­va­mento no alto mar pela ope­ração Tritão com menos meios e ex­clu­si­va­mente ori­en­tada para a vi­gi­lância das fron­teiras da UE. Basta con­sultar no site do PCP as múl­ti­plas po­si­ções adop­tadas pelos de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu para ver como é re­ac­ci­o­nária e de­su­mana a po­lí­tica de emi­gração da UE, aliás cada vez mais in­flu­en­ciada pelo cres­ci­mento de forças xe­nó­fobas, ra­cistas e de ex­trema-di­reita que a sua pró­pria po­lí­tica de ex­plo­ração e opressão na­ci­onal ali­menta.

Do Con­selho Eu­ropeu de 24 de Abril poucos es­pe­ravam me­didas po­si­tivas, mas o sen­tido das de­ci­sões to­madas (ou falta delas) é in­qui­e­tante e diz muito da na­tu­reza in­justa e de­su­mana do ca­pi­ta­lismo; é sig­ni­fi­ca­tivo que uma or­ga­ni­zação como a Ca­ritas (Pú­blico de 25 de Abril) tenha afir­mado que tais me­didas «foram uma de­cla­ração de guerra ina­cei­tável aos mi­grantes e re­fu­gi­ados. Esta abor­dagem re­pres­siva po­derá levar pes­soas de­ses­pe­radas a correr ainda mai­ores riscos». De facto nada há de novo em re­lação àquilo que vem sendo pra­ti­cado com os dra­má­ticos re­sul­tados co­nhe­cidos. Verbas e meios ri­dí­culos de onde con­tinua au­senta qual­quer gota de so­li­da­ri­e­dade hu­mana e o que se anuncia de ino­vador tem um ca­rácter po­li­cial e re­pres­sivo. Com o pre­texto de des­truir em­bar­ca­ções uti­li­zadas pelos tra­fi­cantes abre-se uma nova e pe­ri­gosa linha de in­ge­rência e agressão im­pe­ri­a­lista e, ao mesmo tempo que se se­cun­da­riza as ope­ra­ções de busca e sal­va­mento, pro­cura ace­lerar-se, não a le­ga­li­zação e a con­cessão de di­reito de asilo, mas a ex­tra­dição dos emi­grantes.

Estamos pe­rante um fe­nó­meno que ten­derá a agravar-se ainda mais no fu­turo e que só indo às suas raízes so­ciais será pos­sível er­ra­dicar. Estes ho­mens, mu­lheres e cri­anças ar­riscam tudo porque já não podem viver na si­tu­ação de po­breza e mi­séria que cam­peia nos seus países, porque fogem de guerras sem fim e dos campos de con­cen­tração dos tempos mo­dernos em que muitos campos de re­fu­gi­ados se tor­naram, porque su­fo­cavam sob cruéis di­ta­duras que es­pe­zi­nham os di­reitos hu­manos mais ele­men­tares, porque ne­ces­sitam de um mí­nimo de se­gu­rança e as­piram a uma vida me­lhor. São seres hu­manos que fogem do in­ferno em que o sis­tema ca­pi­ta­lista em crise e as guerras de agressão im­pe­ri­a­listas está a trans­formar vastas re­giões do mundo. Como no Afe­ga­nistão, no Iraque, na Líbia (país des­truído pela agressão da pró­pria UE), na Síria, no Iémen e na mar­ti­ri­zada Pa­les­tina. É aqui que re­sidem as causas pro­fundas da tra­gédia do Me­di­ter­râneo. São estas causas que é ne­ces­sário er­ra­dicar in­ten­si­fi­cando a luta pela paz, contra o im­pe­ri­a­lismo e contra a guerra.




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