«Tudo se cria»

Margarida Botelho

«Tudo se cria» é uma expressão que felizmente caiu em desuso, pelo menos no sentido original.

«Tudo se cria» era acompanhado de um encolher de ombros fatalista, a comentar uma gravidez não planeada nem desejada.

«Tudo se cria» usava-se no tempo em que em que os casais em geral, e as mulheres em particular, tinham muito poucas condições para exercer os seus direitos à saúde sexual e reprodutiva e ao planeamento familiar. No tempo em que as famílias numerosas eram a regra, mesmo que a consequência disso fosse pobreza e mais pobreza, trabalho infantil, emigração forçada, mortalidade infantil e materna. Era no tempo do fascismo e felizmente a revolução de Abril pôs-lhe um ponto final.

Vem isto a propósito das declarações da ministra das Finanças, cada vez mais eficiente em debitar barbaridades. Disse a senhora, no mesmo encontro com a JSD em que anunciou que os cofres estavam cheios: «há pessoas que gostariam de ter filhos e não podem objectivamente porque não têm condições (…) a verdade é que havendo condições razoáveis eles criam-se e compensa (…) independentemente dos benefícios e dos estímulos e do interesse que temos em estimular isso, vocês que são jovens, multipliquem-se.»

É uma declaração tão desbragada que talvez bastasse acabar o texto por aqui. Mas os sentimentos de todas as mulheres e homens neste país que reflectem seriamente se devem ou não tentar ter filhos, ou mais filhos, neste momento, justifica que a indignação ocupe o espaço que merece. É que ao contrário do que a ministra parece pensar, a generalidade das pessoas não faz filhos e depois diz «eles criam-se».

Não, «eles» não se criam sozinhos. As crianças e os jovens têm, todos, direito à saúde, à educação, a uma alimentação saudável, a uma casa digna, à brincadeira, à cultura, ao desporto, a férias, ao ar livre, a famílias e amigos que os estimem, estimulem e amem. E é nisso que as pessoas pensam quando decidem se têm ou não filhos.

O problema da natalidade não se resolve com apelos irresponsáveis à multiplicação da espécie. Resolve-se com estabilidade no trabalho, salários dignos, horários adequados, igualdade para as mulheres, creches, infantários e escolas próximos, públicos e de qualidade, com abonos de família, médicos e enfermeiros de família. O problema da natalidade no nosso país resolve-se com uma política patriótica e de esquerda.




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