Promover o valor da transparência
O Parlamento aprovou na generalidade o projecto de lei do PCP sobre a criminalização do enriquecimento injustificado.
Em nome da transparência deve haver uma declaração inicial de património acima de 200 mil euros
Iniciativas sobre a mesma matéria do PSD/CDS tiveram igual fim, com os partidos a aprovarem os seus diplomas, a abster-se nos de outros, à excepção do PEV que deu luz verde a todas as propostas.
O texto apresentado pela bancada comunista tem «escrupulosamente em conta» as considerações do Tribunal Constitucional, nomeadamente quanto à precisão sobre a «determinação do bem jurídico a defender com a criminalização do enriquecimento ilícito». Esta, recorde-se, fora a questão que levara o TC já nesta Legislatura a declarar inconstitucional o diploma sobre esta problemática aprovado pela AR, por entender que punha em causa o princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado.
Daí que a proposta do PCP estabeleça de modo muito claro que o «bem jurídico a preservar é o valor da transparência na obtenção de património e rendimentos», como sublinhou no debate o deputado comunista António Filipe. O que implica uma declaração inicial de património acima de 400 salários mínimos nacionais (cerca de 200 mil euros». Para além disso, aos acréscimos patrimoniais de valor superior a 200 salários mínimos deve corresponder obrigatoriamente uma actualização dessa declaração dentro de um determinado prazo, com indicação da origem desse acréscimo patrimonial ou de rendimentos.
Esta foi assim a forma encontrada para «tutelar juridicamente, com aplicação de sanção penal em caso de incumprimento, o valor da transparência», acrescentou o deputado do PCP, convicto de que desta forma é dada resposta à crítica fundamental do TC.
Com efeito, o que a bancada comunista agora diz no seu diploma é que a não declaração ou a não declaração da origem do acréscimo patrimonial deve ser, essa sim, um «ilícito criminal e deve ter uma sanção penal directa».
O PCP defende ainda que o regime para titulares de cargos políticos, altos cargos públicos ou de funcionário deve ser agravado, mas que o crime deve existir para o conjunto da sociedade.
Quanto aos restantes diplomas, embora tenha dúvidas e divergências em relação a outros caminhos neles encetados, a expectativa do PCP é de que essas discordâncias possam ser dirimidas no debate na especialidade. António Filipe admitiu, por exemplo, que a formulação encontrada pelo PSD não responda inteiramente às questões suscitadas pelo TC.
Pela extinção dos centros off-shore
Em debate estiveram ainda dois outros diplomas do PCP – ambos relacionados com os off-shore e a necessidade de os eliminar e de dar combate à criminalidade económica e financeira que os utiliza –, que baixaram directamente à comissão sem votação na generalidade.
Em causa está a teia de problemas que se colocam em resultado da existência de centros off-shore, não apenas os paraísos fiscais propriamente conhecidos como tal mas também outras realidades congéneres, outros territórios, países ou regiões que, pelos regimes fiscais e por outras condições, se constituem em verdadeiros «biombos atrás dos quais se escondem realidades criminais, de corrupção de tráfico de influências, de fraude fiscal, de branqueamento de capitais», como sublinhou o líder parlamentar do PCP, João Oliveira.
«São zonas insondáveis do ponto de vista da supervisão financeira e da cooperação judicial, em muitas situações», acrescentou, exemplificando a propósito com as múltiplas dificuldades colocadas ao Banco de Portugal, ao Instituto de Seguros, à CMVM, ao próprio Ministério Público na perseguição e punição da actividade criminosa que utiliza esses centros para esconder as operações que dão suporte a actuações criminosas.
Entre os muitos casos que ilustram esta realidade subterrânea e marginal está o BPN, lembrou João Oliveira, que denunciou como entidades criadas pelo próprio grupo com sede em paraísos off-shore não cooperantes (em que não há qualquer cooperação com as autoridade de supervisão ou judiciárias portuguesas) desenvolveram práticas criminosas que estão a coberto de qualquer fiscalização, vigilância ou até punição.
Ora é considerando este quadro de dificuldades no combate à criminalidade, e tendo presente a importância de obter a informação necessária para efeitos de supervisão ou de exercício de acção criminal, que ganha relevância o projecto do PCP no sentido de uma acção política e diplomática do Estado português que vise a extinção dos centros off-shore à escala global, bem como o combate à criminalidade económica e financeira que neles se aloja.
E enquanto tal objectivo não é atingido, na perspectiva do PCP, deve ser assumida a necessidade de uma acção legislativa que «limite as possibilidade de utilização dos off-shore, com reforço das medidas de controlo e prevenção por parte das autoridades fiscais, judiciais, económicas e financeira de supervisão e regulação».
A todas estas preocupações responde, pois, o PCP, com os seus dois projectos, ao propor, desde logo, um plano de acção nacional e internacional para a extinção dos off-shores, no qual se prevê que o Estado assuma uma posição clara e concertada, incluindo no quadro da União Europeia e da ONU, com esse objectivo.
Proposta é, por outro lado, a aplicação por Portugal de normas que limitem a exposição da sua economia, do seu sistema financeiro, do seu sistema judicial à utilização dos off-shores, sendo avançadas neste capítulo um conjunto de propostas concretas, para dar combate à criminalidade económica e financeira.
Trata-se, aproveitando aquilo que já hoje existe no plano da legislação nacional, de encontrar formas de identificar os off-shore e, feito isso, no que toca aos não-cooperantes estabelecer uma proibição de relações comerciais, profissionais ou da realização de operações financeiras que tenham como destino ou proveniência entidades neles sediadas.
Em relação a todos os outros off-shore, a proposta é de que haja um mecanismo de registo e controlo das relações comerciais, das operações financeiras realizadas, aproveitando todo o regime já existente.