O espírito

Henrique Custódio

O rancor pelos re­sul­tados elei­to­rais na Grécia, e ade­mais o to­pete de o novo go­verno he­lé­nico andar por aí con­fron­tando os po­deres da Eu­ropa de­po­si­tados na Au­gusta Ale­manha, alçou a pa­lavra a se­renas in­di­vi­du­a­li­dades.

O chan­celer Co­elho, ao re­agir à vi­tória he­lé­nica, tão es­ca­ro­lado deixou o seu des­prezo ao or­denar ao Sy­riza «cum­prir os seus com­pro­missos no quadro do me­mo­rando», que dias de­pois, afi­ve­lando um sor­riso de ama­relo fu­gi­tivo, veio ao pros­cénio de­clarar que «não es­tava de ma­neira ne­nhuma contra a vi­tória do Sy­riza». Claro que não.

O Pre­si­dente Ca­vaco des­qua­li­ficou a função pre­si­den­cial ao pe­rorar para um pri­meiro-mi­nistro de um país es­tran­geiro e da União Eu­ro­peia o que, na sua ar­guta opi­nião não so­li­ci­tada, devia «fazer» com a sua re­cente vi­tória elei­toral, che­gando ao des­plante de ava­liar o que Tsi­pras tinha já «apren­dido» no seu novel mister de chan­celer e, pois claro, en­car­ri­lando as suas «re­co­men­da­ções» ao novo go­verno grego na linha férrea do com­bóio go­ver­na­mental. Um ver­da­deiro em­ba­raço.

O Pre­si­dente e o Chan­celer en­ca­beçam aquela mi­noria à sua volta que só vê «si­nais po­si­tivos» na si­tu­ação por­tu­guesa, ati­rando fo­guetes com as dé­cimas que sobem e ca­lando-se quando as tais dé­cimas descem, en­quanto ig­noram o mi­lhão de de­sem­pre­gados (é o FMI que o con­firma) e ou­tros si­nais – não con­tados em dé­cimas, mas em per­cen­ta­gens – que dão conta do nú­mero de po­bres (20 por cento da po­pu­lação) dos ci­da­dãos em risco de po­breza (40 por cento), das cri­anças também po­bres (40 por cento), do en­cer­ra­mento de em­presas, do au­mento de ricos e po­bres e do alar­ga­mento do fosso que lhes se­para os ren­di­mentos e etc. – tudo em de­gra­dação ace­le­rada, quando afe­rido com a si­tu­ação de há quatro anos. Com um por­menor: estes nú­meros vêm de en­ti­dades como o INE, o FMI, o EU­ROSTAT ou a UNESCO e não bor­bo­le­teiam por aí em dé­cimas tri­mes­trais...

Nada disso conta para os dois ocu­pantes dos mais altos cargos do poder. E por ra­zões ide­o­ló­gicas.

É por isso que ambos con­ti­nuam sub­missos aos po­de­rosos da UE, ver­gando-se aos seus di­tames e fa­zendo deles ban­deira. A ati­tude de Ca­vaco Pre­si­dente ou de Passos Chan­celer (já não existe dis­tinção ou dis­tância) para com os re­sul­tados elei­to­rais na Grécia mantém a in­dig­ni­dade do an­te­rior «des­prezo» que alar­de­avam por quem es­tava, ba­si­ca­mente, na mesma si­tu­ação que Por­tugal.

Agora, esta pre­tensa «dis­tan­ci­ação» para com as rei­vin­di­ca­ções da Grécia face à UE é ob­tusa e in­de­co­rosa: não per­cebe que Por­tugal só tem a ga­nhar com essas rei­vin­di­ca­ções e que é de um egoísmo co­barde e mes­quinho não ser so­li­dário com os par­ceiros na des­graça.

Aliás, como o es­pí­rito fun­dador da União Eu­ro­peia ad­voga...

 



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