Ucrânia - Raízes da guerra

Albano Nunes

Uma im­pa­rável es­ca­lada de in­ge­rên­cias ex­ternas e sub­versão

A es­ca­lada de con­fron­tação dos EUA-UE-NATO com a Rússia en­cerra enormes pe­rigos para a paz na Eu­ropa e no mundo. As fre­né­ticas mo­vi­men­ta­ções di­plo­má­ticas que le­varam Merkel e Ho­lande a Kiev, Mos­covo e a Washington (só Merkel) e a uma nova ci­meira em Minsk da Ale­manha, França, Ucrânia e Rússia, mos­tram que a si­tu­ação é re­al­mente muito séria. O cessar fogo acor­dado para o Su­deste da Ucrânia foi-o num quadro em que à ins­ta­lação do sis­tema anti-míssil dos EUA, à mul­ti­pli­cação de bases mi­li­tares na re­gião e à acção cri­mi­nosa das bri­gadas nazis ar­madas pelos EUA, vem juntar-se as de­ci­sões da NATO de tri­plicar os efec­tivos da sua «Bri­gada de In­ter­venção Rá­pida» e do Con­gresso dos EUA sobre o for­ne­ci­mento ao go­verno gol­pista de ar­ma­mento «letal», que cons­ti­tuem au­tên­ticos pre­pa­ra­tivos para a guerra.

A Rússia de hoje é um país ca­pi­ta­lista. Que nin­guém es­pere do seu go­verno uma po­lí­tica ex­terna con­se­quen­te­mente anti-im­pe­ri­a­lista. Mas é uma evi­dência que Putin não é Ieltsin e, so­bre­tudo, que um go­verno russo não pode deixar de ter em conta a força de um povo que nos al­vores da Re­vo­lução de Ou­tubro e na «Grande Guerra Pá­tria» re­jeitou e der­rotou he­roi­ca­mente a agressão es­tran­geira sal­vando a Hu­ma­ni­dade da bar­bárie nazi-fas­cista. Ca­rac­te­rizar o drama da Ucrânia e a pe­ri­go­sís­sima es­ca­lada de tensão com a Rússia como sim­ples ex­pressão de «con­tra­di­ções inter-im­pe­ri­a­listas», é um erro que ig­nora que as raízes da guerra são fun­da­men­tal­mente in­ternas à so­ci­e­dade ucra­niana, erro que se vin­gasse fa­ci­li­taria os ob­jec­tivos do im­pe­ri­a­lismo.

Para com­pre­ender a si­tu­ação é ne­ces­sário ter pre­sente duas di­nâ­micas. Uma que se inicia em No­vembro de 2013 com a re­cusa da Ucrânia em as­sinar o acordo de as­so­ci­ação com a União Eu­ro­peia. A partir daí de­sen­volveu-se uma im­pa­rável es­ca­lada de in­ge­rên­cias ex­ternas e sub­versão, a re­a­bi­li­tação e apoio a forças fas­cistas e a per­se­guição dos co­mu­nistas, a im­po­sição em Kiev de um go­verno tí­tere ao ser­viço das grandes po­tên­cias im­pe­ri­a­listas, a brutal re­pressão no Su­deste do país da ge­ne­ra­li­zada re­jeição po­pular do go­verno gol­pista pro­vo­cando mi­lhares de ví­timas, um dra­má­tico fluxo de des­lo­cados e re­fu­gi­ados, e crimes ter­ro­ristas como o as­salto de 2 de Maio à Casa dos Sin­di­catos de Odessa. A outra, a ca­val­gada do im­pe­ri­a­lismo para Leste na sequência da de­sa­gre­gação da URSS e das der­rotas do so­ci­a­lismo, ca­val­gada em que UE, NATO e EUA co­o­peram (e ri­va­lizam) para li­quidar até aos ali­cerces tudo o que dé­cadas de so­ci­a­lismo ha­viam con­quis­tado, des­truir o po­ten­cial eco­nó­mico e as­se­nho­rear-se dos mer­cados destes países, avançar os dis­po­si­tivos da NATO até às fron­teiras da Rússia cujo po­derio eco­nó­mico e mi­litar, no­me­a­da­mente nu­clear, os EUA pro­curam por todos os meios des­truir. Da ane­xação da RDA à des­truição da Ju­gos­lávia, feitos em que a Ale­manha foi o prin­cipal pro­ta­go­nista, tudo tem sido feito para afastar qual­quer re­sis­tência. A Ucrânia é o mais re­cente exemplo disso.

 

É aqui que mer­gu­lham as raízes de um foco de guerra tanto mais pe­ri­goso quanto se de­sen­volve no quadro da mais pro­funda e pro­lon­gada crise ca­pi­ta­lista e em que é vi­sível a ten­tação dos sec­tores mais re­ac­ci­o­ná­rios e agres­sivos do grande ca­pital para vol­tarem a re­correr ao fas­cismo e à guerra para di­rimir as suas con­tra­di­ções e, à custa de co­los­sais des­trui­ções ma­te­riais e hu­manas, res­taurar as con­di­ções de re­pro­dução do ca­pital como acon­teceu com a 2.ª Guerra Mun­dial cujo 70.º ani­ver­sário do seu fim este ano as­si­na­la­remos. Com­ba­tendo o fas­cismo, o im­pe­ri­a­lismo e a guerra. Unindo forças pela paz.




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