Dívida pública em debate na AR

Só a renegociação alivia o garrote

O que fazer pe­rante a dí­vida pú­blica e a des­co­munal di­mensão que esta atingiu? A dí­vida é sus­ten­tável? É ou não uma en­tropia ao nosso de­sen­vol­vi­mento? Re­ne­go­ciar é a so­lução? E basta re­ne­go­ciar?

Nestes quatro anos a dí­vida não só não di­mi­nuiu como au­mentou em mais 50 mil mi­lhões de euros

Estas foram al­gumas das ques­tões que es­ti­veram em foco, dia 19, no de­bate sobre a dí­vida com que fe­chou a agenda dos tra­ba­lhos par­la­men­tares em ple­nário antes das fes­ti­vi­dades do Natal e Ano Novo.

Às in­ter­ro­ga­ções res­pondeu o PCP rei­te­rando a pro­posta em que foi pi­o­neiro há quatro anos: só a re­ne­go­ci­ação da dí­vida per­mite criar con­di­ções para li­bertar o País desse gar­rote (em­bora este não seja o único) que im­pede o de­sen­vol­vi­mento, o pro­gresso e a jus­tiça so­cial.

Esta foi a po­sição clara ex­pressa pela ban­cada co­mu­nista neste de­bate onde deixou ainda a ad­ver­tência de que a não re­ne­go­ci­ação ou uma «re­ne­go­ci­ação no in­te­resse dos cre­dores» sig­ni­fica «pro­longar por dé­cadas a po­lí­tica de ex­plo­ração, em­po­bre­ci­mento e de­sastre na­ci­onal». Por ou­tras pa­la­vras, es­pe­ci­ficou o de­pu­tado co­mu­nista Paulo Sá, sig­ni­fica pro­longar os cortes nos sa­lá­rios, pen­sões e pres­ta­ções so­ciais, na saúde, edu­cação, ci­ência, cul­tura e ser­viços pú­blicos, sig­ni­fica a de­gra­dação dos di­reitos la­bo­rais e so­ciais, do poder de compra e das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e do povo.

Ora o que a vida mos­trou é que apesar dos sa­cri­fí­cios im­postos, da des­truição de di­reitos, da ali­e­nação de par­celas de so­be­rania – num quadro de fundo mar­cado pela re­cusa do PS, PSD e CDS-PP em en­cetar um pro­cesso de re­ne­go­ci­ação –, o que daí re­sultou não foi o pro­cla­mado ob­jec­tivo de re­dução da dí­vida mas sim o seu au­mento em mais 50 mil mi­lhões de euros.

As in­de­fi­ni­ções do PS

Num de­bate onde o PS pro­curou mas­carar as suas op­ções e com­pro­missos com a po­lí­tica de di­reita com o re­curso a uma su­posta ter­ceira via com o qual tenta jus­ti­ficar as suas po­si­ções dú­bias e, na prá­tica, a sua re­cusa à re­ne­go­ci­ação, foi sem no­vi­dade também, por outro lado, que se as­sistiu à po­sição fun­da­men­ta­lista e de sub­ser­vi­ência do PSD e do CDS-PP de não fazer ondas, de que nada há a fazer, «não há outra al­ter­na­tiva», é pre­ciso «pre­servar a cre­di­bi­li­dade». Fal­se­aram, ainda, como é seu há­bito, a po­sição dos que de­fendem a re­ne­go­ci­ação da dí­vida ca­ri­ca­tu­rando-a como sendo o «não pa­gamos».

Foi, em bom rigor, a re­pe­tição dos ar­gu­mentos dos cre­dores, dos es­pe­cu­la­dores, os «ar­gu­mentos do ab­surdo, com os anún­cios da ca­tás­trofe», como lhes chamou João Oli­veira.

Essa fora, com efeito, a tó­nica das in­ter­ven­ções de de­pu­tadas como Ce­cília Mei­reles (CDS-PP) ou Elsa Cor­deiro (PSD), a quem o pre­si­dente da for­mação co­mu­nista con­vidou a verem o vídeo da con­fe­rência re­a­li­zada dias antes na AR sobre a questão da dí­vida e na qual foram ex­postos pelo PCP os casos do Equador e da Ar­gen­tina. Idên­tica re­co­men­dação fi­zera mo­mentos antes à mi­nistra das Fi­nanças, a quem lem­brou que a Ar­gen­tina, de­pois do pro­cesso de re­ne­go­ci­ação da dí­vida, teve em dez anos um cres­ci­mento médio de seis por cento, en­quanto o Equador re­duziu em sete anos para me­tade a po­breza no seu país.

Exem­plos que per­mitem per­ceber que a re­ne­go­ci­ação da dí­vida não tem que ser o de­sastre, nem uma ca­tás­trofe.

Pelo con­trário, su­bli­nhou o líder par­la­mentar do PCP, a «re­ne­go­ci­ação da dí­vida é o pro­cesso que per­mite» sair do beco em que o País foi co­lo­cado pelo Go­verno e que este quer «per­pe­tuar por dé­cadas».

Não basta re­ne­go­ciar

Mas não basta re­ne­go­ciar a dí­vida, como su­bli­nhou Paulo Sá. «É pre­ciso atacar e re­solver os pro­blemas que es­ti­veram na origem do ga­lo­pante en­di­vi­da­mento pú­blico», apontou, re­fe­rindo-se a pontos con­cretos como a de­sin­dus­tri­a­li­zação, a des­va­lo­ri­zação da agri­cul­tura e das pescas, o aban­dono do apa­relho pro­du­tivo, as pri­va­ti­za­ções, a fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia, a es­pe­cu­lação fi­nan­ceira, a sub­missão aos di­tames da União Eu­ro­peia e dos mo­no­pó­lios ou à perda de so­be­rania mo­ne­tária.

É isso que faz falta ao País e é por aí que passa a po­lí­tica al­ter­na­tiva que o PCP de­fende. Uma po­lí­tica que, par­tindo da re­ne­go­ci­ação da dí­vida, «de­volva sa­lá­rios, pen­sões, pres­ta­ções so­ciais», con­fira ao Es­tado os «ins­tru­mentos de que pre­cisa para fazer uma po­lí­tica de in­ves­ti­mento pú­blico e mo­der­ni­zação do País, para res­ponder aos de­sa­fios do pre­sente», sus­tentou João Oli­veira, que deixou ainda um re­cado ao PS: «Quem se opõe à re­ne­go­ci­ação da dí­vida é à po­lí­tica de es­querda que se opõe, e não se pode apre­sentar aos por­tu­gueses com um dis­curso de es­querda que não tem con­sequência nas op­ções po­lí­ticas e que apenas pre­tende per­pe­tuar por dé­cadas a po­lí­tica de di­reita».



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