Injustiça fiscal permanece incólume
As chamadas «reformas» do IRS e da Fiscalidade Verde foram aprovadas sexta-feira passada, 5, na globalidade, com os votos favoráveis da maioria PSD/CDS-PP e os votos contra de todas as bancadas da oposição.
O modelo de sociedade do PSD e do CDS-PP está à vista na pobreza e miséria que impuseram ao País
Desmascarado que foi o embuste da reforma de IRS «amiga das famílias» (que afinal era só para um reduzido número delas, dado que a grande maioria não iria pagar em 2015 menos IRS do que em 2014), e abandonada que foi de seguida a clausula de salvaguarda que permitiria optar pelas regras de 2014, maioria e Governo fizeram sair do ovo uma terceira versão. Repostas foram as deduções à colecta das despesas de educação e habitação e mantido o que haviam anunciado como grande novidade: a substituição do quociente conjugal por um quociente familiar, que atribui a partir de 2015 uma ponderação de 0,3 pontos por cada dependente e ascendente do agregado familiar no cálculo do rendimento colectável, no caso de tributação conjunta.
Quanto à «reforma da Fiscalidade Verde», como o Avante! referiu já na semana transacta, é criada uma nova taxa de carbono que terá repercussões no custo dos combustíveis e da energia, e uma nova taxa de dez cêntimos sobre os sacos de plástico, receita que nas contas do Governo rondará os 150 milhões de euros, a alocar, diz, à «descida do IRS».
Só «retoques»
Ora a grande questão é que não obstante os «retoques na reforma do IRS», na perspectiva do PCP, não foi eliminada a injustiça fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo.
Esse é o ponto nodal neste processo legislativo e foi isso que o Grupo Parlamentar do PCP voltou a demonstrar em debate de actualidade suscitado por si na antevéspera da aprovação da proposta de lei.
Sucede que as alterações ao Código do IRS que estiveram na base do enorme aumento da carga fiscal sobre trabalhadores, reformados e famílias, essas, como salientou o deputado comunista Paulo Sá, permanecem inalteradas no diploma governamental. «São elas a redução do número de escalões do IRS de oito para cinco, o aumento da taxa de imposto em todos os escalões - incluindo o aumento da taxa mínima de 11,5% para 14,5% - e a introdução de uma sobretaxa de 3,5%», recordou o deputado do PCP, sublinhando que foram estas alterações operadas em 2013 e não o crescimento económico ou o combate à fraude e evasão fiscais que «levaram a que a cobrança de IRS tenha aumentado 42% nos últimos dois anos e que nesse período o Estado tenha arrecadado sete mil milhões de euros adicionais com este imposto». Desmentidas sem apelo nem agravo foram assim as afirmações do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, segundo as quais o aumento da receita teria ficado a dever-se não a um agravamento de impostos mas à «melhoria da actividade económica e à eficácia das medidas de combate à fraude e evasão fiscais».
Fuga ao debate
O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, voltaria ao tema na sua intervenção final para considerar que verdadeiramente «decisivo na política fiscal» não é o quociente familiar agora introduzido mas sim os 3200 milhões de euros a mais de impostos que o Governo impôs aos trabalhadores e ao povo em 2013.
«Isso é que é central», enfatizou o líder parlamentar do PCP, para quem a discussão em torno do quociente familiar, «com o PS a dar para este peditório», não passou de uma «manobra de diversão» com a qual o Governo procurou fugir às alterações por este impostas em 2013 e que conduziram ao referido gigantesco fardo fiscal.
Fuga à discussão que vem confirmar, ainda na perspectiva de João Oliveira, que o brutal aumento de impostos em 2013 «não era temporário» e que esta opção do Governo PSD/CDS-PP corresponde ao «modelo de sociedade que têm para o País». «Um modelo de sociedade que está a vista na pobreza e miséria impostas aos trabalhadores e ao povo, no brutal aumento de impostos que querem manter definitivamente e na política de vistos dourados para o capital e para os milionários», sintetizou o presidente da formação comunista
E à deputada do CDS-PP Cecília Meireles, que teve um assomo do mais primitivo anti-comunismo, associando, entre outros dislates, «pobreza, miséria e muros» às experiências de construção do socialismo, João Oliveira, depois de a convidar a «não tentar desviar a conversa para fora das nossas fronteiras», teve de lhe lembrar que «miséria, emigração, sofrimento, ruína e injustiças», esses sim são elementos de uma realidade intra-muros que bem conhecemos e que é fruto do «modelo de sociedade que PSD e CDS-PP desejam, em que a riqueza está concentrada numa meia dúzia de ricos e poderosos e em que a esmagadora maioria dos portugueses paga essas fortunas».
Tudo pode ser diferente
Reiterados de forma muito clara no debate foram os eixos da política fiscal alternativa preconizada pelo PCP, os quais passam obrigatoriamente pela reversão do brutal aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho. Defendendo que «não há impostos a mais em abstracto», o que há - e é isso que urge alterar -, do seu ponto de vista, como frisou Paulo Sá, é um «peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores e uma desoneração escandalosa da tributação do grande capital, dos seus lucros e da especulação financeira».
Daí que a bancada comunista advogue a necessidade de aumentar o número de escalões, a redução da taxa de imposto dos escalões mais baixos e intermédios, a revisão nestes escalões inferiores do regime das deduções à colecta (aumentando os limites para as despesas de educação, saúde, habitação e protecção social), o fim das taxas liberatórias que favorecem os rendimentos do capital.
«Isto é que permitiria uma outra política fiscal que acabe com a injustiça fiscal que hoje recai sobre os trabalhadores e o povo», sustentou João Oliveira. Antes, Paulo Sá fizera já as contas e concluíra, sem que esse dado objectivo fosse rebatido pela maioria governamental, que as propostas do PCP representariam um alívio de carga fiscal sobre o factor trabalho na ordem dos 4250 milhões de euros, redução de receita que seria «mais do que compensada» por um valor superior a 6100 milhões de euros que entraria nos cofres do Estado fruto de uma tributação mais adequada do grande capital por via de um imposto sobre transacções financeiras e de um imposto sobre património mobiliário.