Nuvens e transtornos
Ainda é possível travar o caminho para o abismo...
Um relatório de Outubro do FMI, com o sugestivo título de «Perspectivas da economia mundial: sequelas, nuvens e incertezas», confirma a evidência: «O ritmo da recuperação mundial desapontou nos últimos anos. Com um crescimento mundial mais débil do que esperado (…) e uma agudização dos riscos de baixa, é possível que a recuperação projectada do crescimento tão-pouco se materialize (…)». Noutra passagem pode-se ler: «As tensões geopolíticas agudizaram-se. No momento os seus efeitos macroeconómicos parecem estar limitados (…) mas há riscos tangíveis de transtornos mais generalizados». Escusado será acrescentar que nada neste diagnóstico leva o anacrónico instituto de Bretton Woods a alterar o receituário e modus operandi, abdicando da sanha classista e diktat, que continuam a conduzir o paciente ao estado terminal. Pelo que se vê – olhando a progressão da crise estrutural do capitalismo e o desconcerto global que se traduz na violência alarmante e instabilidade internacional – nas hostes do grande capital há muito se concluiu que os «tempos não estão para contemplações».
É neste pano de fundo de urgências e ausência de luz ao fundo do túnel que devem ser enquadrados os sinais paradigmáticos que nos chegam das potências centrais da chamada tríade, EUA, UE e Japão.
Da superpotência imperialista, a par do insanável peso da dívida e do agravamento das contradições e situação internas, chega mais do mesmo – parasitismo, prepotência, chantagem e renovada apetência para o intervencionismo e a agressão. Obama acabou de assinar um decreto que prolonga a guerra dos EUA no Afeganistão até 2017, desfazendo a promessa de uma retirada das tropas até ao fim do ano. No Iraque, depois da tão aclamada quanto fugaz retirada militar de 2011, a acção do «Estado Islâmico», que até aqui contou com a ampla benevolência e acção conivente do imperialismo, é agora o pretexto para o relançamento em profundidade da agenda militar, incluindo o regresso das tropas ao terreno. Em Novembro, o mesmo Obama que prometeu há seis anos encerrar o centro de tortura da base militar de Guantánamo, mantida em território ocupado de Cuba, autorizou o envio de mais 1500 soldados, duplicando o contingente do Pentágono a operar no país do Tigre e Eufrates. A «guerra infinita» contra o terror dá lugar ao combate «durante longos anos», pretensamente, contra os sequazes do fundamentalismo islâmico. Mas é o domínio da Síria e Irão, o controlo da região vital do Médio Oriente e Ásia Central e os destinos da conservação do papel hegemónico do dólar que também ali decisivamente estão em disputa.
Bem sintomático dos ventos agrestes que sopram e, parafraseando Vitorino Nemésio, do «mau tempo no mundo» é o sentido de voto da resolução aprovada a 17 de Novembro na Assembleia Geral das Nações Unidas em rejeição da «glorificação do nazismo e neo-nazismo», e de outras práticas que incluem o «racismo», «discriminação racial» e «xenofobia». Sob o silêncio de chumbo da comunicação dominante, 115 países aprovaram a mais que oportuna resolução que teve a Bielorrússia e a Federação Russa entre os principais promotores, enquanto três votaram contra – EUA, Canadá e Ucrânia – e um conjunto de 55 estados primou pela abstenção!! Lote em que se inclui a Alemanha e todo o rebanho da UE (incluindo Portugal), além de países como o Japão, Turquia ou Austrália. Instrutiva votação, pois, em vésperas do 70.º aniversário da Vitória sobre o nazi-fascismo e na altura em que o regime nacionalista e protofascista de Kiev, alimentado pelos interesses estratégicos que a NATO encarna, não cessa a guerra destrutiva no Donbass e reforça o bloqueio das repúblicas auto-proclamadas. E promete alterar a Constituição para solicitar a adesão à NATO.
Mas ainda é possível travar o caminho para o abismo…