«Abrindo as janelas»
Com um sugestivo antetítulo, o mesmo que encima esta crónica, a Comissão Europeia lançou na passada semana um comunicado de imprensa sobre o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento UE-EUA («Transatlantic Trade and Investiment Partnership», TTIP, na terminologia anglo-saxónica). O título do comunicado garantia que a «Comissão compromete-se com transparência acrescida na negociação do TTIP». De uma penada e com singular singeleza, a própria Comissão Europeia desmente assim as juras repetidamente por si feitas sobre o carácter transparente das negociações em curso com os EUA, visando o estabelecimento da maior zona de livre comércio do mundo.
Há poucas semanas, numa reunião da Comissão da Indústria, Energia e Investigação do Parlamento Europeu, precisamente sobre o TTIP, um deputado do PS confrontava o representante da Comissão Europeia ali presente com um dilema, sentido por si e por alguns dos seus colegas de bancada: como explicar aos cidadãos, em cada um dos nossos países, as vantagens tão evidentes do TTIP?
Estes dois episódios recentes são demonstrativos da crescente contestação ao TTIP, à medida que se alarga a percepção sobre as suas consequências. Perante esta contestação, os defensores do acordo reavaliam e redefinem estratégias para levar por diante os objectivos previamente fixados (e inalterados).
Já antes, a Comissão Europeia se vira forçada a «congelar» (mas não a abandonar) as negociações sobre o mecanismo de resolução de litígios por via arbitral – um mecanismo habitual em acordos deste tipo, que permite às multinacionais intentar processos judiciais contra os estados, fora dos tribunais e escapando às leis nacionais, sempre que as suas instituições soberanas ousem aprovar leis ou outra regulamentação susceptível de afectar os interesses dessas mesmas multinacionais, ou seja, de reduzir as suas expectativas de lucro.
A intenção terá sido a de ganhar tempo, abrindo uma nova «consulta pública» e recolhendo mais contributos para, assim, «aperfeiçoar» o mecanismo de resolução de litígios a incorporar futuramente no TTIP.
Mas se a Comissão Europeia agora decidir «abrir as janelas», acto contínuo ela fecha as cortinas – continuam a ser desconhecidas as ofertas feitas às autoridades dos EUA à mesa das negociações.
Numa lista de entidades ouvidas sobre as negociações, divulgada pela própria Comissão Europeia, avultam os interesses que determinam o sentido e os objectivos de todo este processo. Em 130 reuniões, 119 foram com multinacionais ou com grupos de pressão que as representam. A confederação do grande patronato europeu, a BusinessEurope, e o lóbi da indústria automóvel, a ACEA, foram recebidos pela Comissão Europeia nove vezes cada um. Seguidos pela indústria do armamento, os bancos, a indústria farmacêutica, a indústria agro-alimentar e os lóbis da química.
A par da crescente contestação social, decorridas que estão sete rondas negociais entre a UE e os EUA, emergem mais claramente algumas contradições entre as partes – expressão de interesses contraditórios entre os diferentes sectores do capital que têm vindo a impulsionar todo o processo.
Os escolhos que se apresentam no caminho do TTIP são todavia ainda pequenos, se comparados com a vontade dos seus defensores em o levar a bom porto. Até ao final de 2015, garantem.
Em que medida os esforços de concertação prevalecerão ou não sobre a crescente contestação e sobre as contradições emergentes só os próximos meses o dirão.
Uma «NATO económica»
Entretanto, importa não perder de vista o papel mais geral do livre comércio e, em particular, o papel deste TTIP. Por um lado, aumentar a concorrência entre a força de trabalho de países ou regiões diferentes, forçando a sua desvalorização geral. Por outro lado, garantir o acesso das multinacionais a novos mercados (de produtos e serviços, incluindo serviços públicos), a sua conquista e domínio, alargando o campo de acumulação capitalista.
As perspectivas de uma prolongada estagnação económica, intercalada com períodos de recessão e/ou crescimento anémico, que pairam sobre os grandes centros do imperialismo – sintoma da profunda e persistente crise de sobreprodução e sobre-acumulação de capital – foram e são determinantes para impulsionar as negociações do TTIP.
Aos interesses económicos associam-se confessados interesses geoestratégicos das principais potências imperialistas. Não é à toa que Hillary Clinton chamou ao TTIP uma «NATO económica».
Os povos, porém, também aqui, terão a última palavra.