Regressão social expõe crise do capitalismo
A brutal ofensiva contra os direitos dos trabalhadores revela a «natureza predadora» do capitalismo, cuja crise estrutural está a provocar o «agravamento da exploração» e o «retrocesso civilizacional», salientou Francisco Lopes, membro dos organismos executivos do PCP, no encerramento do seminário promovido pelo GUE/NGL e pelo PCP.
A luta de classes é o motor da transformação social
A iniciativa, decorrida dia 14, em Setúbal, contou com mais de 60 participantes e 17 intervenções que abordaram sob vários ângulos «uma questão central do nosso tempo: o agravamento da exploração dos trabalhadores e o ataque aos seus direitos, promovidos pelo grande capital, pelos governos ao seu serviço e pela União Europeia», como salientou João Ferreira na abertura dos trabalhos.
Segundo observou o deputado do PCP, os desenvolvimentos da crise do capitalismo, que também é «uma crise dos fundamentos da própria União Europeia», «confirmam a impossibilidade de conciliação dos pilares e do rumo da União Europeia com os direitos, os interesses e as aspirações dos povos da Europa».
A prová-lo estão os efeitos da política monetária única, brevemente sintetizados pelo deputado: «Em Portugal, ao longo da primeira década de euro, valores acumulados, os lucros cresceram em média 35 por cento. No mesmo período, os custos unitários do trabalho reais decresceram cerca de um por cento. Entre 2001 e 2013, os lucros terão crescido quase 26 vezes mais que os salários em Portugal, quase 16 vezes mais em Espanha, mais de cinco vezes mais na Alemanha e na média da Zona Euro, mais de três vezes na Itália e duas vezes mais na Irlanda».
No Chipre, como referiu Neoklis Sylikiotis, vice-presidente e membro do Presidium do GUE/NGL e do Bureau Político do AKEL, o governo de direita «decidiu privatizar as empresas semi-estatais de interesse público, os salários foram reduzidos em 30 por cento, enquanto os lucros das grandes empresas aumentaram 18,5 por cento só em 2014».
O panorama é tal que, para o deputado do PCP, Miguel Viegas, só pode ser caracterizado como «um saque sem precedentes, com o grande capital a tudo fazer para manter as suas taxas de lucro sempre à custa de mais exploração. «Estes ataques», acrescentou, «só encontram paralelo nas chamadas terapias de choque levadas a cabo pelo FMI em diversos países da América do Sul durante a década de 70».
As consequências sociais destas políticas, ali abordadas por Inês Zuber, traduzem-se num acentuado aumento da pobreza, fenómeno que, em 2012, atingia 125 milhões de pessoas, um quarto da população da União Europeia, onde, em Setembro último, os números oficiais indicavam 24,5 milhões de desempregados.
Esta realidade é ainda mais sombria se incluirmos o alastramento da precariedade e do subemprego. Como referiu a deputada do PCP, «na UE28, no início deste ano, mais de 40 por cento dos jovens empregados tinham um contrato temporário e um quarto dos jovens trabalhavam em part-time».
Ofensiva generalizada
Contrariando a ideia difundida de que só os povos sob o jugo da troika são sujeitos a políticas anti-sociais, Ana Pires, do Conselho Nacional a CGTP-IN, sublinhou que «todos os dados conhecidos tornam claro que, em todos os países da União Europeia, os trabalhadores foram afectados profundamente pelas medidas de austeridade, quer nos salários, no exercício do direito à contratação colectiva e nas prestações sociais».
Estes ataques, frisou, emanam de «centros de decisão centralizados» e são «desenvolvidos a partir da Comissão Europeia e do Conselho Europeu». Ao mesmo tempo «a grande maioria das centrais sindicais nacionais» limita-se a «produzir eloquentes declarações» sem «qualquer ligação com a luta de massas ou tentativa de mobilização dos trabalhadores».
Em Portugal, o alvo preferencial desses ataques têm sido os funcionários públicos, a começar pela destruição do emprego. Como notou Paula Bravo, do Sindicato da Função Pública do Sul e Açores, desde 2005 foram extintos 195 mil postos de trabalho em todos os sectores da Administração Pública, pondo em causa o bom funcionamento dos serviços e a garantia de direitos sociais elementares consagrados na Constituição.
Força impulsionadora
Já no encerramento do seminário, Francisco Lopes assinalou que «os últimos 25 anos têm sido marcados por um enorme salto atrás nos direitos dos trabalhadores e dos povos». Na Europa, onde «nas décadas a seguir à II Guerra Mundial, a luta do movimento operário e a existência do campo socialista impôs grandes avanços das condições de vida e dos direitos, condicionando o capitalismo e obrigando-o a concessões, o retrocesso tem sido ainda mais vincado».
No entanto «a luta dos trabalhadores e do povo, no século XX e em quase década e meia do século XXI inspira-nos para a acção determinada e confiante nos dias de hoje.
«A luta dos trabalhadores foi a base da resistência ao fascismo que, combatendo, resistindo e impondo conquistas, amassou as condições para a Revolução de Abril, foi a força impulsionadora das profundas transformações e avanços do processo revolucionário, foi e é o elemento sustentador da resistência à política de direita dos últimos 38 anos, ao processo contra-revolucionário, interligado com o processo de integração na CEE/UE.
«A luta dos trabalhadores esteve e está presente como factor decisivo e determinante, nos momentos de grande transformação e avanço, nos momentos de recuo, nos momentos de resistência e acumulação de forças.
«A luta dos trabalhadores é motor da luta de todo o povo, factor que determinará a ruptura e abrirá o caminho à alternativa», afirmou o dirigente comunista.
Dificuldades e possibilidades
Conscientes da enorme desproporção de forças favorável ao capital, os intervenientes no seminário foram unânimes em considerar que os trabalhadores não se resignam, resistem e conseguem através da luta vitórias sobre o inimigo de classe.
Foi assim durante a longa noite do fascismo, lembrada por António Quintas, do Sindicato dos Metalúrgicos, foi assim após a Revolução de Abril, como frisou Rui Paixão, do CC do PCP, e assim é nos nossos dias.
«A luta laboral, social e de massas», afirmou Filipe Marques, do Conselho Nacional da CGTP-IN e do Sindicato dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, é «o factor determinante na resolução dos problemas concretos dos trabalhadores e na elevação da consciência social, de classe e política, elementos essenciais da luta pela transformação da sociedade».
Ou, nas palavras de Luís Leitão, coordenador da União de Sindicatos de Setúbal, «luta que é essencial para a ruptura com a política de direita».
No mesmo sentido, profetizou o padre Constantino Alves, antigo dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos, «esta era, marcada pela vaga de austeridade e empobrecimento, vem acompanhada de uma nova era de mudança».
E são muitos os frutos proporcionados pela luta. Na Administração Local, disse Vanda Figueiredo, dirigente do STAL, a acção e luta dos trabalhadores impediu o aumento do horário de trabalho das 35 para as 40 horas na maioria das autarquias do País. A batalha prossegue contra o boicote ilegal do Governo à publicação de mais de meio milhar de acordos colectivos celebrados com as autarquias que consagram as 35 horas.
Também Nídia Sousa, da Interjovem, referiu vários exemplos em que a luta permitiu converter vínculos precários em contratos efectivos nas empresas do parque industrial da AutoEuropa.
Ainda neste universo de empresas, José Silvestre, dirigente do SITE Sul, citou vários cadernos reivindicativos acordados que contemplam aumento de salários e regalias.
Por seu turno, Paula Sobral, do Conselho Nacional da CGTP-IN e da Comissão Sindical da Visteon, fábrica de componentes para automóveis, relatou como a firmeza dos trabalhadores tem permitido combater a precariedade, manter dias de férias e obter aumentos salariais.
O pacto contra o trabalho
Com a intervenção da troika, intensificou-se o ataque aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e às suas organizações de classe. Armando Farias, da Comissão Executiva da CGTP-IN, lembrou que as últimas revisões da legislação laboral operadas pelo Governo do PSD e CDS-PP, com o apoio do PS e da UGT, tiveram como objecto: «a redução dos prazos de caducidade e sobrevigência das convenções colectivas e a possibilidade de suspensão da própria convenção; as limitações impostas à emissão das portarias de extensão; a facilitação dos despedimentos e diminuição das indemnizações; a eliminação de dias feriados, dias de férias e descansos compensatórios; o aumento da jornada de trabalho e o prolongamento do período de redução do valor pago pela prestação de trabalho extraordinário; a transferência da contratação colectiva para o nível de empresa e a tentativa de afastamento dos sindicatos das negociações».
Os resultados desta feroz ofensiva têm uma tradução numérica: «se há 15 anos se publicavam entre de 350 a 400 convenções em cada ano, cobrindo directamente cerca de dois milhões de trabalhadores, em 2013 apenas foram acordadas 97 convenções e abrangidos 186 mil trabalhadores», referiu o dirigente sindical. A tendência manteve-se no presente ano em que «menos de cem mil trabalhadores foram cobertos por acordos colectivos negociados» e só foram publicadas seis portarias de extensão, contra 116 em 2010.