Murros na mesa

Manuel Rodrigues

«É importante que os governos não sejam subalternos, não sejam subservientes, que percebam que numa negociação com a União Europeia e com as organizações europeias é preciso dar um murro na mesa de vez em quando». Quem teve a ousadia de pronunciar tão musculadas palavras foi, nem mais nem menos, Carlos Silva, secretário-geral da UGT, organização sindical conhecida pela violência certeira dos seus murros na mesa da concertação social.

É, de facto, necessário dar murros na mesa, ser firmes nas reclamações, exigir respeito pela soberania nacional. Nisso, estamos de acordo. Mas por mais que olhemos para a prática da UGT, o que conseguimos enxergar é exactamente o oposto, quando desvaloriza a acção reivindicativa dos trabalhadores nas empresas e locais de trabalho e confina a sua «luta» a mero expediente à mesa das negociações, para, trocando o essencial pelo acessório, assinar os acordos de concertação social de que o grande capital precisa para mais facilmente prosseguir a exploração. Como diz o povo, «bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz».

Assim foi ao longo dos 38 anos desta política de direita em que a UGT, perante os violentos ataques aos direitos dos trabalhadores, esteve, invariavelmente, ao lado dos governos e do grande patronato. Foi murro na mesa o pronto aval às «reformas» laborais que destruíram grande parte dos direitos conquistados com a Revolução de Abril? Foi murro na mesa o recente acordo de concertação social que a UGT assinou? Foram murros na mesa as declarações do secretário-geral da UGT desvalorizando a luta de massas como factor decisivo na acção reivindicativa dos trabalhadores?

Murros na mesa, claro, nunca foram tão precisos. Mas o verdadeiro murro na mesa é a luta contra o Tratado de Lisboa, o Tratado Orçamental, a Governação Económica, o Semestre Europeu, a União Bancária, instrumentos da política de direita aprovados pelo PS, PSD e CDS ao serviço dos interesses do grande capital, limitadores da nossa soberania e independência. E é a renegociação da dívida, a recuperação do controlo público da banca e do sector financeiro, dos sectores e empresas estratégicas, a preparação do País para a saída do euro.

Murro na mesa é a luta pela derrota deste Governo, pela ruptura com esta política, por uma política patriótica e de esquerda.

Como se vê, até os murros na mesa têm uma natureza de classe.

 



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