Conquista de Abril a defender com a luta
O PCP promoveu, sábado, 13, um debate público sobre os 35 anos da instituição do Serviço Nacional de Saúde. Para os comunistas, só a luta dos profissionais e dos utentes poderá evitar a destruição desta importante conquista de Abril.
A ofensiva contra o SNS tem tantos anos quanto o próprio SNS
O aniversário redondo da criação do Serviço Nacional de Saúde comemorou-se na segunda-feira, 15, mas o PCP resolveu antecipar dois dias a efeméride para, num debate público em que participaram profissionais de Saúde, sindicalistas, utentes, eleitos e dirigentes do Partido, avaliar estas três décadas e meia de SNS e perspectivar o seu futuro – que promete ser particularmente atribulado, tendo em conta a ofensiva brutal dos partidos da política de direita contra o SNS visando a sua destruição e a entrega a privados dos mais rentáveis serviços e equipamentos.
Na intervenção de encerramento, a cargo do Secretário-geral, como noutras contribuições anteriores, lembrou-se que a lei que criou o Serviço Nacional de Saúde não só integrava muitas das propostas políticas que o PCP apresentara em 1976, no seu VIII Congresso, como resultou da iniciativa revolucionária do povo e de muitos profissionais de Saúde no contexto da revolução. A descentralização e proximidade dos serviços aos utentes, por exemplo, eram já praticadas em muitos locais antes de serem consagradas legalmente.
Em muitas outras intervenções foram salientados os avanços que a criação do SNS permitiu, sintetizados por Jerónimo de Sousa: «nestes 35 anos de actividade, o SNS, apesar de atacado e desacreditado, alcançou resultados muito significativos, como se pode verificar na evolução das taxas de mortalidade infantil, uma das mais baixas do mundo e da esperança média de vida à nascença, que passou de 67,6 anos em 1973, para 80 anos no final de 2012». São, pois, «extraordinários ganhos para a saúde e qualidade de vida dos portugueses» e para o próprio desenvolvimento do País, acrescentou.
Décadas de ofensiva
Tal como sucedeu, e sucede, a outras importantes conquistas de Abril, também o SNS esteve desde o início sob o fogo dos interesses instalados, onde pontificam, lembrou Jerónimo de Sousa, os «grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e os grupos financeiros privados com as suas seguradoras e empresas de prestação de cuidados de saúde». À semelhança do que tinham feito oradores anteriores, também o Secretário-geral do PCP lembrou que o SNS «geral, universal e gratuito» nunca foi aceite por estes interesses e pelos partidos da política de direita: de facto, lembrou, «sucessivos governos do PS e PSD, com ou sem a participação do CDS, desencadearam uma ofensiva que visa desresponsabilizar o Estado desta sua importante função social e transferir para os grupos privados o essencial da prestação de cuidados».
Muito embora o SNS, e o próprio direito universal à saúde, tenham começado a ser postos em causa logo após a aprovação da Constituição, foi com a Lei de Bases da Saúde, em 1990, que se iniciou a «grande ofensiva», lembrou o dirigente do PCP: foi esta lei que permitiu, por exemplo, a constituição de grandes grupos na área da Saúde (BES/Saúde, José de Mello Saúde, HPP – agora Lusíadas Saúde, e Trofa Saúde), que assumem hoje uma grande fatia da prestação de cuidados à população. Para estes grupos, afirmou ainda Jerónimo de Sousa, a saúde não é um direito, mas um «negócio florescente», pelo que o fulcro da sua actividade «situa-se na doença e não na saúde e por isso investem com a garantia de que o Estado lhes arranja os clientes e financia uma parte significativa da sua actividade».
Graças a esta ofensiva, que tem assumido diversas expressões, avolumaram-se as dificuldades no acesso dos utentes à saúde, muito por culpa do aumento dos custos e do encerramento de serviços, e degradou-se a qualidade. Para o futuro pode estar a ser preparada a entrega a privados de parte dos cuidados primários de saúde e novos passos na privatização dos hospitais.
Possível e indispensável
Como afirmou Jerónimo de Sousa, no final da sua intervenção, «também na saúde existe uma política alternativa no quadro da política patriótica e de esquerda» que o PCP propõe. Esta alternativa passa, nomeadamente, «pela defesa e reforço do Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e gratuito, pilar fundamental para um modelo de desenvolvimento que se quer justo e solidário».Para que o SNS resista e se desenvolva, insistiu o dirigente comunista, é necessário travar muitas lutas, ao lado de «todos aqueles que o defendem, nomeadamente os seus trabalhadores a quem muito se deve o facto do SNS, apesar de todos os ataques que tem sofrido, ainda se manter como um dos melhores do mundo». Os mesmos que, muito embora tenham visto os seus direitos reduzidos, «têm sido o garante das extraordinárias realizações do SNS na melhoria das condições de saúde da população portuguesa, fruto da sua capacidade técnica, do brio e da consciência democrática dos seus profissionais, e da sua identificação com os interesses do povo».
Números que falam por si
No decorrer do debate surgiram números que revelam bem as potencialidades do Serviço Nacional de Saúde, bem como a dimensão do ataque a que tem vindo a ser sujeito.
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há 1 600 000 utentes sem médico de família;
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entre 2007 e 2012, a despesa pública com a saúde diminuiu 8,6 por cento, enquanto a despesa das famílias aumentou 13,9 por cento. As famílias portuguesas gastam hoje 5,2 por cento do seu orçamento familiar com a saúde, enquanto a média nos países da OCDE é de 3,2 por cento.
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as famílias suportam de forma directa cerca de 30 por cento das despesas com saúde;
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os quatro grandes grupos privados de saúde (BES Saúde, José de Mello Saúde, Lusíadas Saúde e Trofa Saúde) controlam 83 por cento do chamado «mercado de saúde», que representa qualquer coisa como 1500 milhões de euros/ano, e mais de metade das unidades de saúde do País, das quais 23 são hospitais;
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parte substancial das receitas destes grupos são garantidas pelo Estado, através do regime convencional, das PPP ou de subsistemas como a ADSE. No caso do BES/Saúde, atinge os 50 por cento;
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nos últimos quatro anos, os cortes no sector atingiram os 1667 milhões de euros. Anulando-se o efeito do aumento dos preços, isto significa uma redução real de 2398 milhões.