Comentário

Pobreza

Inês Zuber

Não se cansam os representantes das instituições europeias de proclamar, no plano discursivo, os altos valores da UE. «Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas», «todas as pessoas têm direito à educação», o «reconhecimento do direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes»... são alguns dos exemplos dos princípios plasmados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

São, curiosamente, princípios evocados pela mesma UE e seus responsáveis que condenaram tantos países da UE à destruição de centenas de milhares de empregos, ao aumento da precariedade no emprego, a mais desemprego, a reduções nos salários e pensões, a um enorme aumento de impostos sobre os trabalhadores, reformados e suas famílias, aos cortes nas prestações sociais, na saúde e na educação.

Em 2012, 24,2 por cento da população da população da UE encontravam-se em risco de pobreza e de exclusão, sendo que o risco de pobreza para as mulheres era de 26 por cento, contra 23,9 por cento homens. As mulheres enfrentam um risco de pobreza mais importante do que os homens – em média, três em cada dez agregados familiares da UE são unipessoais, na sua maioria mulheres que vivem sós, em especial idosas, sendo que esse grupo está a crescer e a ser alvo dos cortes nas pensões e pensões de viuvez. As mulheres são, assim, afectadas directamente – através da perda do seu emprego, de cortes salariais, das pensões e pensões de sobrevivência ou da perda de segurança do emprego – e, indirectamente, através de cortes orçamentais nos serviços públicos e nas ajudas sociais, pois sabemos que muitas têm crianças a seu cargo. As crianças são, indubitavelmente, as principais vítimas desta política de empobrecimento e o caso português é completamente assustador. Um relatório da Unicef Portugal, redigido em 2013, referia que em 2011, a taxa de pobreza entre crianças tinha aumentado para 28,6 por cento – hoje o número será maior – consequência provocada, entre outros, pela perda de 500 mil crianças do direito ao abono de família (entre 2009 e 2012). Medida enquadrada no «ajustamento orçamental» preconizado pela troika, pela UE.

Hipocritamente, é esta a UE que se considera a si mesmo como um exemplo para todo o mundo do exercício dos mais altos valores da democracia e da justiça social.

Se é verdade que a ideologia das caridades, que o regresso ao tempo da «sopa dos pobres» tem sido propalado pelo governo PSD/CDS e pelas instituições europeias como resposta à retirada de direitos sociais e económicos, também é certo que, mesmo no que toca às políticas mais directamente relacionadas com a luta contra a pobreza, a UE faz questão de ser comedida na sua solidariedade.

O novo Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD) para o período 2014-2020 tinha como dotação inicial 2,5 mil milhões de euros, proposta feita pela Comissão Europeia. As negociações entre o Conselho Europeu e a Comissão Europeia levaram ao aumento desse montante para 3,5 mil milhões de euros, resultado hoje propagandeado pela UE como grande demonstração pelo seu empenho em combater a pobreza. Mas notemos que, em comparação com o programa análogo para 2007-2013, não foi aumentado nem um cêntimo, não obstante o facto de as situações de pobreza se terem agravado de forma dramática.

Por isso, mais uma vez – e agora no quadro da discussão do orçamento da UE para 2015 – voltámos a propor que este montante seja alargado para pelo menos cinco mil milhões de euros. E apresentámos também propostas de cortes (totais ou parciais) em diferentes rubricas, nomeadamente naquelas relacionadas com a política de defesa e vigilância da UE, ou seja, na sua componente repressiva. Nos próximos meses caberá ao Parlamento Europeu pronunciar-se sobre as nossas propostas de redistribuição do orçamento comunitário. Veremos então onde fica a solidariedade.

 



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