A jibóia

Henrique Custódio

O resgate ao BES de 4,9 mil milhões de euros, decidido pelo BdP e tendo como fiador o Estado português, ocorreu emparelhado com notícias de mais cortes nas pensões (incluindo as de sobrevivência ou de solidariedade) anunciadas por Mota Soares, o ministro arrelampado que andava de mota e sugere um actor de Murnau – quiçá o de Nosferatu.

Obviamente, as notícias dos cortes nas pensões desapareceram da grelha informativa, mais diligentes que um cão treinado.

Não tão arrelampado – quiçá ensimesmado em coisas que só ele vê -, Nuno Crato parece fazer da Educação um campo de treino, onde ensaia a bel-prazer e em conflito já descarado a sua guerra aos professores, à escola pública e ao ensino democrático, não desperdiçando nenhuma das alavancas de que dispõe para ataques cirúrgicos à atribuição de bolsas, financiamentos de universidades, encerramentos de escolas no básico e degradação generalizada no secundário.

Paulo Macedo, ministro da Saúde, destacou-se (como é sabido) com engenharias nas Finanças para olear a cobrança de impostos, ganhando para isso o triplo do chanceler Barroso, que o convidou. Reemergiu à frente do ministério da Saúde, onde exibiu sobriedade que os opinadores do Governo se apressaram a travestir de «competência» e adjectivações confluentes. Mas os actos impõem-se às poses, e os do ministro Macedo acabaram paulatinamente por lhe degradar a imagem de «reformador» que (também) lhe esboçaram, ao conseguir em duas dúzias de meses abalar gravemente o SNS, na razão geométrica dos elogios que lhe foi pincelando. Hoje mesmo o estrangulamento prossegue, numa constrição de jibóia, seja liquidando implacavelmente serviços de proximidade – hospitais, maternidades, centros de saúde -, seja sangrando recursos humanos, sobretudo de enfermeiros mas também de médicos, seja, enfim, sufocando tudo na estiolação da falta de meios e de investimento.

O argumentário desta destruição sistemática e generalizada das funções sociais do Estado foi evoluindo de «optimização de recursos» para «rentabilidade de meios» e, finalmente, «defender a sustentabilidade» das funções sociais, desfigurando-as até à caricatura.

Mota Soares, Nuno Crato e Paulo Macedo, mas também a ministra da Justiça, Paula T. da Cruz com a sua «reforma judiciária», M.ª Luís Albuquerque, Portas ou Passos pretendem impor ao País a visão ultra-liberal do Estado ao serviço do grande capital, onde não há lugar – nem tergiversações – para funções sociais e, quanto ao Estado democrático-constitucional, apenas um cuja democracia (e Tribunal Constitucional) não perturbe a digestão da jibóia.

Corrigenda – Na crónica da semana passada, «Donos e Danos», onde se lê «2,1 milhões de euros» e «3,7 milhões» deve ler-se «2,1 mil milhões de euros» e «3,7 mil nilhões». Pelo lapso, as nossas desculpas.




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