Comentário

Do arco do «consenso europeu»

João Ferreira

1. As eleições para o Parlamento Europeu representaram – não é excessivo dizê-lo – um abanão nas forças que têm sido suporte da integração capitalista europeia.

Os maiores grupos políticos com representação no Parlamento Europeu, integrantes do arco da «austeridade», – «Partido Popular Europeu» (onde se integram PSD e CDS), «Socialistas e Democratas» (onde se integra o PS) e a «Aliança dos Liberais e Democratas» (onde se integra o novel Marinho Pinto) – sofreram, sem excepção, revezes eleitorais em Maio último. Todos diminuíram a sua representação. Porém, apesar de terem perdido votos e lugares, direita e social-democracia detêm ainda mais de metade da representação no Parlamento Europeu. E mobilizam-se para continuarem, nas actuais condições, o seu projecto de imposição de um retrocesso civilizacional aos povos da Europa.

2. Há um paralelo inevitável com o que se passa em Portugal. PSD e CDS saem das eleições com uma derrota histórica – o mais baixo resultado de sempre destes dois partidos em eleições. O PS fica poucos pontos acima. Juntos, PS, PSD e CDS, perdem mais de 400 mil votos e ficam abaixo dos 60 por cento, quando há cinco anos o seu resultado agregado superava os 70 por cento. O descrédito da troika doméstica evidenciado por estes resultados fez os sinos tocarem a rebate. Dos reforçados apelos ao consenso alargado entre os partidos da troika, até à mudança de caras no PS para esconder a constância das políticas, passando pela emergência da muleta Marinho Pinto, assumidamente pronta para amparar quem quer que venha a necessitar dos seus préstimos, são vários os caminhos que se insinuam para procurar assegurar, em novas condições, o prosseguimento das velhas políticas.

3. Vale a pena olhar as conclusões do último Conselho Europeu. Ainda mal refeitas do abanão eleitoral, direita e social-democracia deixam claro que não haverá inflexões de caminho. Envoltas na estafada retórica da recuperação económica e do crescimento, as políticas de «austeridade» seguidas até aqui são para continuar.

As orientações aprovadas neste Conselho Europeu são um cardápio de ataques de toda a sorte aos trabalhadores e aos povos. Menos salários, menos direitos, menos serviços públicos, mais desigualdade na distribuição da riqueza. Um intolerável desrespeito pela soberania dos povos, com ingerências e afrontas a órgãos de soberania nacionais, como é o caso do Tribunal Constitucional português.

Tudo isto sem uma única nota dissonante. A dúzia de governos «socialistas», de que Hollande em França e Renzi em Itália (país que assume a presidência da UE durante este semestre) são pontas-de-lança e caras mais visíveis, afinam sem surpresas pelo diapasão dos seus consortes conservadores e liberais, em coro bem afinado.

4. Com o fim do período formal de vigência do programa da troika, Portugal foi integrado no chamado Semestre Europeu. Ao abrigo deste procedimento, os estados-membros devem respeitar as recomendações [do Conselho Europeu] nas suas futuras decisões orçamentais, nas reformas estruturais e nas políticas sociais e de emprego. E quais são essas recomendações?

Para começar, Portugal deve substituir as medidas de consolidação consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional por medidas de dimensão e qualidade análogas, o mais rapidamente possível, e aplicar rigorosamente a estratégia orçamental conforme estabelecido no Documento de Estratégia Orçamental. Ou seja, pelo menos e desde já: um novo aumento do IVA; o aumento da chamada TSU sobre os trabalhadores; a aplicação do plafonamento das pensões e da substituição da chamada Contribuição Extraordinária de Solidariedade por um imposto permanente sobre os rendimentos de trabalhadores e reformados; mais privatizações.

5. O cortejo de imposições feitas ao abrigo do Semestre Europeu – apoiado por PS, PSD e CDS – mostra bem como a proclamada «saída limpa» não foi mais do que uma saída do charco para logo se mergulhar na lama.

Lá constam, entre outras medidas: a continuidade dos cortes nos serviços de saúde e da aplicação da revisão da tabela salarial da Função Pública; o ataque à contratação colectiva, através das modalidades de derrogação dos ACT; as medidas suplementares para a reforma dos portos, com a sua privatização e desqualificação laboral dos trabalhadores portuários; a privatização e liberalização do sector dos serviços; a privatização do sector ferroviário e, em particular, da CP Carga.

Em Portugal, os partidos da troika são por vezes também designados como sendo os partidos do arco do «consenso europeu». Está bem à vista que consenso.




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