De novo o Iraque

Albano Nunes

É imperioso desmascarar uma informação manipulada e maniqueísta

De novo o Iraque. De novo um misterioso bando de «terroristas», semeando a morte e a destruição. De novo a orquestração de dramáticos apelos à intervenção militar salvadora dos EUA. De novo densas cortinas de fumo a ocultar o significado da súbita emergência do «Estado Islâmico do Iraque e do Levante» (EIIL) e do papel deste filho-da-al Qaeda-filha-da-CIA no complexo xadrês de uma região petrolífera, onde o imperialismo, depois dos sérios reveses sofridos, procura relançar a agressão à Síria e a pressão para submeter o Irão. É imperioso desmascarar uma informação manipulada e maniqueísta em que os «bons» são o imperialismo e seus fantoches e os «maus» são sempre «terroristas» e «fanáticos», num confronto sem fim em que não há forças com ideais e em que nem a luta de classes nem a questão nacional existem. E donde a memória histórica está completamente ausente, pois essa é a melhor maneira de transformar aqueles que são os piores e mais cruéis inimigos dos povos árabes em seus protectores e apresentar como libertador o violento processo de expoliação e recolonização planetária em curso.

É por isso oportuno lembrar que o povo iraquiano deu à civilização universal uma contribuição valiosíssima, foi protagonista de heróicas lutas, e que a dramática situação do seu país é fruto da acção do imperialismo visando apoderar-se das suas riquezas e impedir a transformação progressista do Iraque e demais povos árabes. É necessário não esquecer a luta das grandes potências pela repartilha do mundo que conduziu à catástrofe da 1.ª guerra mundial, a desagregação do império otomano que estendia os seus tentáculos até ao Iraque, a partilha anglo-francesa da região com a transformação do Iraque num protectorado inglês sob a vigilância dos EUA a prepararem-se para tomar o lugar da Inglaterra como potência dominante. A resistência ao domínio estrangeiro é uma constante entre as duas guerras. Sob a influência da derrota do nazi-fascismo e do prestígio da URSS e da sua política de solidariedade internacionalista o movimento de libertação nacional dos povos árabes conhece um vigoroso ascenso. A Síria e o Líbano tornam-se independentes. Dá-se a revolução nasserista no Egipto e o fiasco imperialista no canal do Suez.

No Iraque desenvolvem-se grandes lutas populares conduzidas pela pequena-burguesia nacional, sempre contraditória, mas em que a classe operária e o seu prestigiado Partido Comunista desempenham um importante papel. Num acidentado processo iniciado com a revolução de 1958 que derrubou a monarquia de Faiçal II, forma-se, dez anos depois, um governo nacionalista presidido por al Bakr que nacionaliza a Iraq Petrolium Company mas que Sadam Hussein subverte passando-se abertamente para o campo do imperialismo. A partir daí é o que sabemos: repressão dos comunistas e demais forças patrióticas, guerra contra o Irão visando a liquidação da sua revolução popular, invasão do Kuweit dando pretexto para uma brutal guerra de agressão e à célebre proclamação da «nova ordem mundial» de Bush sobre as ruínas da URSS. Por fim, quando deixou de servir a estratégia do dono, assistimos à diabolização de Sadam, à montanha de mentiras em que assentou a invasão de 2003 e à destruição de um grande país para que os negócios das multinacionais pudessem prosperar.

Lembrar tudo isto é apontar o dedo aos criminosos responsáveis pela nebulosa do EIIL que está a servir para justificar uma nova escalada militar agressiva dos EUA na região de consequências difíceis de prever.

 



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