Abril é confiança

Albano Nunes

Estão em gestação numerosos processos

O 25 de Abril foi uma surpresa para o mundo. Quem havia de dizer que naquele pequeno país, atrasado, sujeito a uma velha ditadura protegida pela NATO, rodeado pelo Atlântico e pela Espanha franquista, havia de eclodir a primeira (e até agora única) revolução do pós-guerra na Europa, uma revolução social profunda, envolvendo, a par da conquista da liberdade e do fim das guerras coloniais, a liquidação do capitalismo monopolista de Estado e a destruição dos monopólios e dos latifúndios que (em aliança com o imperialismo) sustentavam o fascismo, colocando Portugal no caminho do socialismo?

Entretanto aquilo que foi surpresa para o mundo, não o foi para os comunistas portugueses que, sem nunca terem pretendido antecipar o momento e a forma concreta do levantamento revolucionário para que incansavelmente trabalharam, estavam enraizados na realidade do seu país, tinham uma análise científica das contradições e da arrumação das forças de classe, sabiam que o enquadramento externo era favorável à revolução e dispunham de um Programa – o Programa da Revolução Democrática e Nacional – que nas suas linhas fundamentais veio a ter confirmação prática.

Quando o povo português e toda a humanidade progressista celebram o 40.º aniversário do 25 de Abril, é oportuno chamar a atenção para que, tal como então aconteceu em Portugal, estão em curso inúmeras lutas desconhecidas e amadurecem processos de transformação social que a todo o momento poderão conquistar as manchetes da comunicação social e, tal como em Abril de 1974, surpreender quem não esteja atento ao magma revolucionário que a própria natureza do capitalismo alimenta. As derrotas do socialismo significaram uma brutal alteração da correlação de forças em favor do capital. A história deu um inesperado salto para trás. Mas não houve «fim da História», nem fim da classe operária, nem «morte do comunismo», nem desapareceu a luta de classes. No plano mundial vivemos tempos difíceis de refluxo revolucionário, de resistência e acumulação de forças. Mas por toda a parte prossegue a luta libertadora dos trabalhadores e dos povos.

É verdade que a luta de classes, a começar pela luta entre o trabalho e o capital, aparece geralmente deformada e obscurecida por elementos de carácter nacional, étnico, racial e religioso, que o imperialismo alimenta e explora habilmente. É verdade que, mostrando uma assinalável capacidade de manobra e de adaptação, o imperialismo tem conseguido frequentemente, como na Tunísia e no Egipto, ou agora na Ucrânia, desviar do seu curso e instrumentalizar genuínas manifestações de protesto popular e vontade libertadora. É verdade que, com o indispensável concurso da social-democracia bem patente no escandaloso caso da França, o descontentamento face a políticas anti-populares e de opressão nacional como as que resultam das imposições supranacionais da União Europeia, estão a alimentar forças populistas, racistas, de extrema-direita. É verdade que subsistem atrasos e debilidades no campo das forças revolucionárias.

Mas nada disto anula as contradições de classe ou desmente o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo. E à violenta ofensiva exploradora e recolonizadora com que o grande capital procura contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, os trabalhadores e os povos contrapõem, sob mil e uma formas, a sua resistência e a sua luta, realidade que a comunicação social dominante esconde ou deturpa zelosamente e que aos comunistas compete conhecer e valorizar. Porque, tal como em Portugal há 40 anos, estão em gestação numerosos processos de transformação progressista e revolucionária que mais cedo ou mais tarde surpreenderão o mundo. Na época do imperialismo que Lénine tão brilhantemente caracterizou em 
«imperialismo estádio supremo do capitalismo», isso é inevitável.




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