Conspiração internacional contra a Venezuela

Agora é com o dono do circo

Pedro Campos

A Venezuela não enfrenta um golpe interno mas sim uma conspiração internacional cujos contornos estão cada dia mais claros.

O problema da Venezuela é directamente com o governo dos Estados Unidos

«A MUD está quase desaparecida (...) Os organismos que nos Estados Unidos têm ao seu cuidado a pasta Venezuela – Departamento de Estado, Pentágono; os que apoiam a oposição e estão envolvidos nos planos de desestabilização – CIA e outros – chegaram à conclusão que devem assumir a condução da conjura em território venezuelano (...) a execução prática dos operativos previstos, a partir do convencimento de que a oposição interna não acerta. Que não tem política. Que está minada pelas contradições. As sucessivas derrotas eleitorais são reveladoras da sua debilidade para competir com o chavismo, e o que acaba de suceder com o fracasso do golpe guarimbero (barricadas NR), no qual tinham as suas esperanças, confirma que a oposição, a sua liderança, não tem capacidade para derrubar Maduro.» (José Vicente Rangel, jornalista e analista político).

 

O fragmento aparece na coluna O Espelho1 que este autor publica semanalmente num dos principais jornais do país, curiosamente dirigido por um homem de esquerda, mas com maioria de notícias e artigos favor da direita. O título da mesma é O dono do circo.

A MUD – Mesa de Unidade Democrática – não é mesa nem democrática e se é mesa tem mais do que uma perna partida... pelos próprios comensais; é um amontoado de opositores ao processo bolivariano – restos dos dois partidos grandes da IV República e novas formações, qual delas mais à direita – que se digladiam cada vez mais abertamente porque isso de ir de derrota em derrota não dá saúde política a ninguém. Julio Borges, do partido Primero Justicia, que nasceu como resultado de um acto de corrupção, é deputado – não se cansa de denunciar que a autoridade eleitoral é batoteira (no seu caso, claro que não!) – e uma das figuras mais mediáticas da oposição. Esta figura de proa de um barco sem rumo disse recentemente que «há gente que se falamos em diálogo te destrói (...) é necessário ultrapassar esse radicalismo». Caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima! Juan Carlos Caldera, do mesmo partido e apanhado num vídeo num acto de corrupção, diz que há uma campanha intestina para dividir a oposição. Segundo ele, alguns opositores «propiciam operações para promover a divisão e o ódio (...) até desde o exterior (referência aos exilados que dirigem as guarimbas desde Miami)», e diz que há campanhas de «fuzilamento moral, baseadas em calúnias». Ramón Muchacho, presidente de Chacao, município opositor, ainda que nada faça para evitar as guarimbas, afirma que «há gente que pensa que com escombros e barricadas fará com que a oposição governe. Oxalá. Eu não acredito nessas história de que o governo se vai embora e virá a oposição (...) já temos 50 dias nisto e não vejo a saída por este caminho». O menos que lhe chamaram foi «traidor».

Com a MUD neste estado, que como já foi denunciado pode levar a que a oposição atente contra a vida de algumas das suas figuras, incluído Henrique Capriles, que também se demarcou timidamente das guarimbas, para acusar o governo desses crimes, chegou a hora de o dono do circo pôr os palhaços de lado e tomar o controlo do assunto. «A pressão dos falcões sobre Obama – retomamos o texto de Rangel – do lobby cubano de Miami, dos senadores da ultra-direita e de algumas corporações, obriga a corrigir a linha de acção». (...) «O selo que se vai imprimir à viragem está contido nas declarações do vice-presidente Joe Biden contra Maduro em Santiago; nas repetidas provocações do secretário de Estado John Kerry, e nas viperinas afirmações do Chefe do Comando Sul, general John Kelly. Todas carregadas de ameaças abertas e veladas. Reveladoras de que agora o problema da Venezuela é directamente com o governo dos Estados Unidos e não com os que conduzem a oposição dentro do país. Ou seja, que a coisa é com o dono do circo e não com os subordinados».

Entretanto, a direita internacional não perde oportunidade para mentir sem qualquer tipo de escrúpulos. O Helsinki Times publicou uma nota sobre as manifestações em Caracas com a incontornável imagem de «milhares de manifestantes na zona Leste de Caracas no dia 27 de Fevereiro para denunciar as acções ditatoriais... bla... bla.. .bla...». Tudo perfeitinho, com a contagem macabra de 33 mortos e 461 feridos. Só um «pequenino» detalhe borra a pintura. A fotografia – com faixas em finlandês! – referia-se a uma manifestação local contra a construção de uma central nuclear!

Nova etapa da conspiração

Constatada dezoito vezes a incapacidade da direita para ganhar o poder através do voto, a extrema-direita opta por vias alternativas, devidamente experimentadas noutros países, cujo caso mais próximo é a Ucrânia, onde temos forças nazis no poder.

Neste «vale tudo» contra o processo bolivariano, vai tudo para o baralho! Desde os paramilitares e narcos de Uribe à reaccionária Aliança Parlamentar para a América Latina, passando por UnoAmérica, nostálgicos do famigerado Plano Côndor, e pela Human Right Foundation, de que uma das «credenciais» é uma tentativa de magnicídio na Bolívia. Dinheiro da National Endowment for Democracy (NED) não falta e a ex-deputada Maria Machado – ex porque sendo deputada venezuelana aceitou o cargo de representante alterna do Panamá, o que ditou a perda do seu lugar no parlamento venezuelano – anda de país em país a organizar a grande frente anti-bolivariana para ver se abre caminho a uma intervenção militar de Washington em Caracas e assim termina com um «mau exemplo» que ganha cada vez mais simpatias um pouco por toda a América Latina e não só.

Durante meses, os paramilitares de Uribe foram-se concentrando nos estados fronteiriços da Venezuela à espera do momento oportuno e agora já vemos presenças de «paras» nas guarimbas (barricadas), que diminuíram em número mas aumentaram em ferocidade. Não sem razão, o deputado Jesus Faria afirmava há pouco que as «guarimbas mutarão na proliferação de assassinatos e sabotagens que afectarão psicologicamente a população». A inteligência venezuelana está ciente desta mutação e do novo factor estrangeiro na violência das guarimbas. Há dias foi detido Gabriel Alejandro Reyes Beltrán, que estava à frente uma guarimba em San Cristóbal, perto da fronteira colombiana. Beltrán é procurado, com alerta vermelho, pela Interpol. É um delinquente internacional ligado ao narcotráfico. Outros mercenários, alguns do Médio Oriente, já foram presos pelas autoridades. Com o apoio deste novo factor, as guarimbas estão em processo de transformação para uma etapa mais agressiva, descaradamente insurrecional. Os «estudantes pacíficos» metamorfosearam-se no que eram originalmente: delinquentes.

A agência France Presse, que nada simpatiza com a revolução bolivariana – basta ver a sua página para comprovar que a maioria das suas fotografias são favoráveis à reacção – teve um lampejo de seriedade nas últimas horas e publicou uma série de imagens que dão uma ideia clara do «pacifismo» de muitos dos manifestantes. Numa podemos ver um deles com uma arma de guerra com mira telescópica. Noutro vemos um polícia a arder, como resultado de ter sido atingido por uma bomba «molotov». Se se incendeia totalmente uma universidade, se danificam outras catorze, se se queimam centros de saúde, e creches, gatos e cães... o que é custa queimar um homem, se já se tratou de fazer arder a ambulância onde ia um estudante que os terroristas feriram gravemente?

O lado mais extremista, mediático e hegemónico da oposição anti-bolivariana tem sido frequentemente apontado como fascista, acusação que nega sem grande veemência. Acham ser mais correcto politicamente apresentarem-se como democratas. Uma voz veio recentemente em sua «ajuda». Nessa onda de «estrelas» disto e daquilo, que não sabem nada de política, se pronunciarem contra o governo de Maduro, apareceu agora em «cena» uma tal Martina Mussolini, que enviou uma carta crítica ao presidente venezuelano. Trata-se de uma bisneta de Mussolini. Segundo ela, o fascismo italiano é uma «terceira via» – que dirá Blair a isto? –que «criou uma identidade nacional, escolas e cultura, construiu fábricas e cidades...». Dos campos de concentração esqueceu-se de falar. Esta bisneta de bisavô de má memória, que viveu em Caracas quando jovem, diz que na Venezuela «já não há respeito pela vida« e teve de deixar o país «porque ali não havia futuro». Curiosamente, esta fascista de berço confessa que vive na Itália «há mais de vinte anos». É só fazer as contas. Regressou quando ainda faltavam vários anos para a vitória bolivariana de 1998. Ou seja, isso de que não havia futuro é com a IV República. Mais depressa se apanha uma mentirosa...

É uma achega mais para a conspiração sem que a direita se demarque de apoio tão eloquente como revelador das suas intenções...

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1 http://www.ultimasnoticias.com.ve/opinion/firmas/el-espejo---jose-vicente-rangel/el-dueno-del-circo.aspx



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