O deportador-em-chefe
Milhares de presos em greve de fome, contra as condições desumanas a que estão submetidos e em Portugal nem uma notícia. Nada de novo na frente ocidental: este desrespeito dos direitos humanos não tem lugar na Coreia do Norte, mas nos herméticos Estados Unidos da América.
Tudo começou a 7 de Março, em Tacoma, no Estado de Washington, quando cerca de 750 imigrantes encarcerados em centros de detenção decidiram parar o trabalho e recusar-se a comer. Exigiam o fim das deportações dos trabalhadores indocumentados, aumentos salariais, acesso a cuidados de saúde, condições humanas e uma alimentação digna. A greve de fome durou 11 dias. O grupo GEO, que gere esta prisão privada, respondeu com violência, castigando os grevistas e isolando os dirigentes do protesto. Mas outras greves se seguiram: primeiro no centro de detenção de Conroe, no Texas, depois na Florida, depois no Mississípi.
Nos EUA, são hoje mais de 30 000 os imigrantes detidos para deportação, dois terços dos quais em prisões privadas, um negócio que é uma dádiva para os privados, um desastre para o Estado e um crime contra toda a humanidade. A lei Byrd, criada em 2009 pelo Partido Democrata, obriga o Estado Federal a preencher uma quota de 34 000 «camas diárias» em centros de detenção privados. Quando o número de famílias amputadas não é bastante, o Estado deve a factura remanescente a prisões privadas como as de Conroe e Tacoma, ambas propriedade do grupo GEO. O GEO, o segundo maior operador de prisões privadas do mundo, tem 100 cárceres nos EUA onde os imigrantes trabalham por um dólar ao dia enquanto aguardam a deportação. Este processo, que separa e destrói famílias, pode manter os imigrantes atrás das grades durante mais de um ano sem qualquer acusação. A National Day Laborer Organizing Network, uma associação de defesa dos imigrantes, acusa o GEO de manter estes trabalhadores em celas sobrelotadas, sob condições sub-humanas que emanam histórias de terror: presos com feridas abertas e infectadas tratados só com analgésicos; blocos de 48 pessoas a usar a mesma sanita; refeições sem valor calórico para aguentar um dia sem desmaiar; chamadas telefónicas para o exterior ao preço de uma semana de trabalho, etc.
Nem mais uma deportação
Obama, que deve os seus dois mandatos ao voto dos imigrantes da América-latina, ficará para a posteridade como o presidente da História dos EUA que mais imigrantes separou das suas famílias. Mais de dois milhões de deportações em apenas quatro anos: um recorde que faria Bush corar e apenas tornado possível pela crescente militarização dos serviços de imigração. Um investimento orçamental no controlo da imigração que ultrapassa os fundos para o controlo da droga ou do terrorismo.
O Partido Democrata alega que esta política desumana é moeda de troca para conseguir que o Partido Republicano se comprometa com uma reforma estrutural do sistema de imigração. No entanto, e malgrado a perseguição aos imigrantes oferecida em bandeja ao «partido do elefante», a tíbia «reforma estrutural» continua no papel. Entretanto, Obama contenta-se com a promessa de «humanizar» o sistema de deportações, o equivalente migratório às «guerras humanitárias».
O movimento pelos direitos dos imigrantes continua refém de importantes contradições. Porém, a falência do investimento político no Partido Democrata tem reconduzido as suas organizações para a luta de massas. No dia 13 de Março a maior organização dos imigrantes da América Latina, o National Council of La Raza, retirou publicamente o seu apoio a Barack Obama, apelidando-o de «deportador-em-chefe». Uma campanha nacional de luta foi posta em marcha sob o lema «Nem mais uma» e mais tarde, a 14 e 15 de Abril, os imigrantes saíram à rua das principais cidades dos EUA exigindo o fim das deportações.
O próximo marco no calendário da luta dos imigrantes é o 1.º de Maio, que se pretende uma enorme jornada pelo direito de todos a viver e a trabalhar com dignidade. São já centenas as organizações de imigrantes a convocar manifestações para o Dia Trabalhador, em mais de cinquenta cidades do país onde esse dia nasceu e também onde ele não é feriado.