O deportador-em-chefe

António Santos

Mi­lhares de presos em greve de fome, contra as con­di­ções de­su­manas a que estão sub­me­tidos e em Por­tugal nem uma no­tícia. Nada de novo na frente oci­dental: este des­res­peito dos di­reitos hu­manos não tem lugar na Co­reia do Norte, mas nos her­mé­ticos Es­tados Unidos da Amé­rica.

Tudo co­meçou a 7 de Março, em Ta­coma, no Es­tado de Washington, quando cerca de 750 imi­grantes en­car­ce­rados em cen­tros de de­tenção de­ci­diram parar o tra­balho e re­cusar-se a comer. Exi­giam o fim das de­por­ta­ções dos tra­ba­lha­dores in­do­cu­men­tados, au­mentos sa­la­riais, acesso a cui­dados de saúde, con­di­ções hu­manas e uma ali­men­tação digna. A greve de fome durou 11 dias. O grupo GEO, que gere esta prisão pri­vada, res­pondeu com vi­o­lência, cas­ti­gando os gre­vistas e iso­lando os di­ri­gentes do pro­testo. Mas ou­tras greves se se­guiram: pri­meiro no centro de de­tenção de Conroe, no Texas, de­pois na Flo­rida, de­pois no Mis­sis­sípi.

Nos EUA, são hoje mais de 30 000 os imi­grantes de­tidos para de­por­tação, dois terços dos quais em pri­sões pri­vadas, um ne­gócio que é uma dá­diva para os pri­vados, um de­sastre para o Es­tado e um crime contra toda a hu­ma­ni­dade. A lei Byrd, criada em 2009 pelo Par­tido De­mo­crata, obriga o Es­tado Fe­deral a pre­en­cher uma quota de 34 000 «camas diá­rias» em cen­tros de de­tenção pri­vados. Quando o nú­mero de fa­mí­lias am­pu­tadas não é bas­tante, o Es­tado deve a fac­tura re­ma­nes­cente a pri­sões pri­vadas como as de Conroe e Ta­coma, ambas pro­pri­e­dade do grupo GEO. O GEO, o se­gundo maior ope­rador de pri­sões pri­vadas do mundo, tem 100 cár­ceres nos EUA onde os imi­grantes tra­ba­lham por um dólar ao dia en­quanto aguardam a de­por­tação. Este pro­cesso, que se­para e des­trói fa­mí­lias, pode manter os imi­grantes atrás das grades du­rante mais de um ano sem qual­quer acu­sação. A Na­ti­onal Day La­borer Or­ga­ni­zing Network, uma as­so­ci­ação de de­fesa dos imi­grantes, acusa o GEO de manter estes tra­ba­lha­dores em celas so­bre­lo­tadas, sob con­di­ções sub-hu­manas que emanam his­tó­rias de terror: presos com fe­ridas abertas e in­fec­tadas tra­tados só com anal­gé­sicos; blocos de 48 pes­soas a usar a mesma sa­nita; re­fei­ções sem valor ca­ló­rico para aguentar um dia sem des­maiar; cha­madas te­le­fó­nicas para o ex­te­rior ao preço de uma se­mana de tra­balho, etc.

Nem mais uma de­por­tação

Obama, que deve os seus dois man­datos ao voto dos imi­grantes da Amé­rica-la­tina, fi­cará para a pos­te­ri­dade como o pre­si­dente da His­tória dos EUA que mais imi­grantes se­parou das suas fa­mí­lias. Mais de dois mi­lhões de de­por­ta­ções em apenas quatro anos: um re­corde que faria Bush corar e apenas tor­nado pos­sível pela cres­cente mi­li­ta­ri­zação dos ser­viços de imi­gração. Um in­ves­ti­mento or­ça­mental no con­trolo da imi­gração que ul­tra­passa os fundos para o con­trolo da droga ou do ter­ro­rismo.

O Par­tido De­mo­crata alega que esta po­lí­tica de­su­mana é moeda de troca para con­se­guir que o Par­tido Re­pu­bli­cano se com­pro­meta com uma re­forma es­tru­tural do sis­tema de imi­gração. No en­tanto, e mal­grado a per­se­guição aos imi­grantes ofe­re­cida em ban­deja ao «par­tido do ele­fante», a tíbia «re­forma es­tru­tural» con­tinua no papel. En­tre­tanto, Obama con­tenta-se com a pro­messa de «hu­ma­nizar» o sis­tema de de­por­ta­ções, o equi­va­lente mi­gra­tório às «guerras hu­ma­ni­tá­rias».

O mo­vi­mento pelos di­reitos dos imi­grantes con­tinua refém de im­por­tantes con­tra­di­ções. Porém, a fa­lência do in­ves­ti­mento po­lí­tico no Par­tido De­mo­crata tem re­con­du­zido as suas or­ga­ni­za­ções para a luta de massas. No dia 13 de Março a maior or­ga­ni­zação dos imi­grantes da Amé­rica La­tina, o Na­ti­onal Council of La Raza, re­tirou pu­bli­ca­mente o seu apoio a Ba­rack Obama, ape­li­dando-o de «de­por­tador-em-chefe». Uma cam­panha na­ci­onal de luta foi posta em marcha sob o lema «Nem mais uma» e mais tarde, a 14 e 15 de Abril, os imi­grantes saíram à rua das prin­ci­pais ci­dades dos EUA exi­gindo o fim das de­por­ta­ções.

O pró­ximo marco no ca­len­dário da luta dos imi­grantes é o 1.º de Maio, que se pre­tende uma enorme jor­nada pelo di­reito de todos a viver e a tra­ba­lhar com dig­ni­dade. São já cen­tenas as or­ga­ni­za­ções de imi­grantes a con­vocar ma­ni­fes­ta­ções para o Dia Tra­ba­lhador, em mais de cin­quenta ci­dades do país onde esse dia nasceu e também onde ele não é fe­riado.




Mais artigos de: Internacional

Agora é com o dono do circo

A Ve­ne­zuela não en­frenta um golpe in­terno mas sim uma cons­pi­ração in­ter­na­ci­onal cujos con­tornos estão cada dia mais claros.

Ofensiva a Leste

A Ucrânia lançou uma ope­ração mi­litar contra a re­gião de Do­netsk, onde nos úl­timos dias a po­pu­lação in­tegra um le­van­ta­mento an­ti­gol­pista, isto apesar de a Rússia ter ape­lado ao go­verno de Kiev para que não lan­çasse uma «guerra contra o seu pró­prio povo».