Lucro e prejuízo
O programa estava já na parte final quando o sintonizei, mas o que vi deu para perceber que, ao menos desta vez, o resultado não foi o do costume, ou seja, o de deixar que o último interveniente lance sobre a crueza da realidade o espesso manto da demagogia. É bem verdade que a palavra estava a cargo da representante do Ministério da Educação – seria por acaso, certamente... – e que o discurso oficial vinha bem alinhavado, ao estilo de há ainda muito por fazer mas podem ficar descansados que o Governo está a fazer tudo o que pode para resolver as deficiências e aliás nunca ninguém fez tanto, só que a verborreia foi interrompida por uma plateia que, sem papas na língua e muita indignação, estragou a festa. É o risco de dar microfones a quem não se coíbe de os usar!
Falo do último Prós e Contras, desta feita dedicado à situação das pessoas com necessidades especiais e às políticas ditas de inclusão.
Tanto quanto foi dado ouvir pela voz de quem vive com os problemas da deficiência – desde os portadores da doença a pais, mães, médicos, assistentes sociais, especialistas... – o que campeia é a exclusão e não há poeira para os olhos que iluda esta realidade. Perante uma representante do Ministério de Mota Soares – o dirigente do CDS que trocou a moto pela tesoura dos cortes nas prestações sociais mal chegou ao Governo – que não conseguia rebater as intervenções do público e até revirava os olhos como se pensasse e não se pode exterminá-los?, e a prolixa representante de Nuno Crato, os convidados da plateia com direito a intervir foram desfiando casos, pondo a nu os cortes, revelando números... E assim se ficou a saber que o Governo considera bastante 200 euros para a sobrevivência de um deficiente que não pode prover as suas necessidades, mas já acha razoável pagar 900 euros a uma instituição privada se o mesmo cidadão for institucionalizado. Ou ainda que o subsídio de transporte não chega a quem quer frequentar a universidade. Ou que nem sequer o serviço público de rádio e de televisão dispõe de linguagem gestual para o Prós e Contras... No final, Fátima Campos Ferreira concluiu que «todos ficamos mal nesta fotografia». Todos? Pois. Colectiva-se o prejuízo e arrecada-se o lucro.