Revolta cresce no campo
Milhares de pequenos e médios agricultores manifestaram-se, dia 3, contra as imposições governamentais e exigiram políticas que defendam o mundo rural, onde a miséria e a desertificação andam a par do saque promovido em benefício do grande capital, acusaram.
«Voltaremos as vezes que forem precisas»
Do Norte a Sul, vieram a Lisboa convocados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). A maioria, num dos 68 autocarros fretados pela CNA e pelas suas associadas, mas muitos, oriundos das regiões próximas da capital, deslocaram-se em veículos particulares ou de transportes públicos, disse ao Avante! João Dinis, da direcção da Confederação, antes de confirmar que esta era uma das maiores iniciativas de sempre, e, seguramente, a maior acção de massas de pequenos e médios agricultores dos últimos 20 anos.
A dimensão, que surpreendeu até a organização, como reconheceu João Dinis, era possível de constatar ao acompanhar a manifestação, cuja «cabeça» já entrava na Rua de São Bento quando os últimos dos seus mais de cinco mil participantes ainda saíam do Príncipe Real.
Antes, no local de concentração, sobressaíram a revolta e a determinação em combater as imposições governamentais, bem como a exigência de políticas que defendam o mundo rural da desertificação e do saque, promovidos em benefício do grande capital agrário e industrial.
«Basta de empobrecimento! Aqui estamos e aqui voltaremos as vezes que forem necessárias para reivindicar políticas que defendam os pequenos e médios agricultores», explicava João Dinis, enquanto pastores, agricultores, silvicultores, compartes dos baldios e vitivinicultores durienses chegavam às centenas após longas horas de estrada, às quais antecederam horas da madrugada a tratar dos animais e dos campos, contaram-nos.
Das entranhas da terra
Da tribuna improvisada em cima de uma camioneta de caixa aberta, colocada nas sombras do Jardim do Príncipe Real, a «dona» Salete também não poupou nas críticas, insistindo que «é preciso derrotar um Governo que entrega o dinheiro todo à troika deixando-nos na miséria». Saque múltiplo, como explicou o agricultor de Aveiro que se lhe seguiu, detalhando que por ter caído «na esparrela de me colectar, tiraram-me e à minha esposa o complemento solidário». Injustiça que Maria de Lurdes, transmontana, sintetizou ao Avante! perguntando: «com estes impostos, como é que vamos comer?
Medidas «madrastas», ainda, que Domingos Fernandes, de Vila Real, e Carlos Gonçalves, de Chaves, vêem estenderem-se aos compartes dos baldios com uma «lei catastrófica» e «destinada a entregar as terras comuns às empresas de celulose», testemunharam ao nosso jornal. A norma acabaria por ser aprovada pela maioria PSD/CDS um dia depois da manifestação (ver página 14).
Ao confisco fiscal por via de impostos e contribuições para a Segurança Social, e ao roubo da propriedade e gestão comunitária dos baldios, acrescem outras razões, mais antigas mas nem por isso menos revoltantes para quem arranca o pão às entranhas da terra resistindo à pressão para desistir. «A Reforma da Política Agrícola Comum que agrava a situação de cinco por cento dos agricultores, a maioria dos quais latifundiários e absentistas, receberem mais de 70 por cento das ajudas; o privilégio concedido ao agro-negócio e o desmantelamento da agricultura familiar; as dívidas à lavoura, a destruição do património público e a ausência de incentivos à actividade das pequenas explorações; os custos dos factores de produção», resumiu ao Avante! Pedro Santos, da direcção da CNA.
Cuidado Casimiro
A marcha rumo a São Bento não se iniciou sem que fossem feitos justos alertas para que, nas próximas eleições, os agricultores não se deixem enganar, com João Dinis a recordar que ao actual vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, «não basta pôr um boné para ser amigo dos agricultores».
A deixa foi aproveitada por Mário Martins, dirigente associativo da Guarda e candidato da CDU ao Parlamento Europeu, que considerou que «este Governo já demonstrou ser inimigo do povo e dos agricultores». Nesse sentido, apelou, os agricultores precisam «de um Governo que seja do povo e pelo povo», por isso, na hora de votar, e já a 25 de Maio, «não nos podemos deixar enganar pelos mesmos de sempre». Devemos usar a arma «que temos na mão para defender as nossas aldeias, a natureza e a biodiversidade, a nossa produção e soberania alimentar», sem a qual «nunca teremos soberania política», concluiu.
Semear Abril
No final da marcha, foi aprovada pela multidão que encheu a praça frente à Assembleia da República uma moção onde se sublinham as importantes conquistas alcançadas com a Revolução de Abril, a qual, para além de amplas liberdades, direitos e serviços públicos, da democracia e do fim da guerra colonial, garantiu «aos agricultores e no mundo rural a lei do arrendamento, a entrega às populações das cooperativas, das casas do povo e dos baldios, a melhoria de salários, pensões e reformas».
No texto apresentado a propósito do 40.º aniversário da Revolução, alerta-se para «os ventos frios que sopram contra o 25 de Abril, contra a esperança numa vida melhor», mas assegura-se que o protesto e a luta vão continuar, para, «na lavra de Abril, semear de novo».