Volta cegonha!

João Frazão

No recato das Jornadas Parlamentares do PSD, o presidente do Grupo Parlamentar veio defender um pacto em defesa da natalidade.

Em pequeno, nas férias na terra da minha avó, um dia perguntei-lhe, «oh avó, de onde é que vêm os bebés?» Ela, sem se desconcertar, ajeitou o lenço preto que marcava o luto permanente pelas agruras da vida e disse-me, «vêm das cegonhas que os trazem de Paris. Por isso é que têm as asas grandes e os bicos compridos».

Talvez animado pela notícia que, na passada semana, informava que em Portugal há três mil ninhos de cegonhas, só em postes eléctricos, Luís Montenegro (assim se chama a criatura) deu seguimento a uma converseta iniciada uns dias antes pelo primeiro-ministro que afiançava que agora é que iam nascer meninos e meninas com fartura, pois o Governo estava já primorosamente a tratar disso.

Acontece que a um e outro terão escapado dois pormenores que fazem toda a diferença.

O primeiro, o de que as cegonhas, talvez porque encontrem comida abundante nos terrenos de pousio, talvez porque se tenham habituado ao clima, deixaram de fazer a viagem de ida e volta, não tendo a oportunidade de continuar a fazer tal transporte.

O segundo, e não o menos importante, é o de que, como a última estatística do INE bem demonstra, não há política sustentável de natalidade quando, apesar de diminuir o número de crianças, escandalosamente são cada vez mais as que se encontram no limiar da pobreza, o que já atinge uma em cada quatro, e quando, expressão do objectivo que definiram para a política de agressão conduzida ao longo de anos, há já mais de dois milhões de portugueses a viver nessa situação, o nível mais elevado desde 2005, sendo esse risco mais elevado nas famílias com filhos.

Dizia a minha avó, já não para me responder, mas a remoer a sua visão do problema, que «vêm de Paris, pois são a melhor coisa do mundo, para depois a gente não ter um pedacinho de conduto para lhes dar».

Passos, Portas e Montenegro, apostados em ver de novo pelas ruas do País fedelhos de barriga ao sol, ranhosos e descalços, bem podem pedir às cegonhas que voltem, não para trazer mais bebés, que isso é coisa em que já ninguém acredita, mas para lhes dar boleia no momento da sua derrota que, mais cedo ou mais tarde, o povo português há-de conseguir.




Mais artigos de: Opinião

Imperialismo e fascismo

Um dos aspectos marcantes da actual ofensiva do imperialismo é a aliança aberta com fascistas. No desmantelamento da Jugoslávia o imperialismo juntou aos fascistas ustaches croatas, entre outros, todo o género de marginais directamente oriundos do mundo do crime e, em consequência...

O bloco de Assis

Assis faz jus àquele inconfundível culto do PS que, sob a aparente apetência por afirmar algo e o seu contrário, acaba sempre por ficar virado para o lado que se sabe. Um género do «para quê a pressa» quando se trata de mexer um dedo para fazer frente à...

Combate ao fascismo

A imprensa internacional está a dar destaque aos resultados da extrema-direita na primeira volta das eleições locais em França. Tocam a rebate os sinos do «perigo dos extremismos na Europa». Importa portanto conhecer desde já de que realidade estamos a falar, quais as suas...

O imponderável

Hoje, se atravessamos as pontes de Lisboa deparamos com esquálidas horas de ponta, na cidade vêem-se casas de comércio entaipadas ao correr das ruas, nas avenidas espalham-se os mendigos catando a miséria, há cafés e restaurantes às moscas ou tremeluzindo na...

Tarefa de todo o Partido

Entre as decisões do XIX Congresso avultava a concretização de uma acção geral e integrada de reforço do Partido, questão central para garantir a adequada resposta à ofensiva da política de direita que, pela mão das troikas nacional e estrangeira, se abate sobre os trabalhadores e o povo.