Abandonar vitivinicultores à sua sorte
O PCP acusa o Governo de querer «matar a Casa do Douro», classificando de «escândalo político» todo o processo que conduziu à presente situação de desgraça para os viticultores durienses.
PSD, PS e CDS são responsáveis pelo afundamento da Casa do Douro
Com a eliminação das funções e do papel que sempre foram os seus, derrubado é o «último obstáculo» que se opõe ao domínio completo do sector por cinco grandes grupos vitivinícolas e meia dúzia de grandes proprietários do Douro.
Esse é o objectivo do Executivo, que deixa assim completamente desprotegidos 35 a 40 mil pequenos viticultores durienses, denunciou no Parlamento o deputado comunista João Ramos sublinhando ser esse o quadro que resulta da legislação aprovada em Conselho de Ministros.
Com efeito, de acordo com a Resolução de 11 de Junho de 2013 (ainda não publicada em Diário da República), a Casa do Douro é «transformada em “associação de direito privado de inscrição voluntária dos produtores”, deixando de ser de todos para passar a ser apenas de alguns».
Para o deputado comunista, que levou o assunto na passada semana ao plenário da AR em declaração política em nome da sua bancada, esta é assim a última etapa de um processo de contínua erosão iniciado há décadas e levado a cabo por sucessivos governos do PSD, PS e CDS-PP. Recordou que teve o seu início com o então primeiro-ministro Cavaco Silva (decreto-lei n.º 318/86), a que se seguiu a legislação de 1995 que criou a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (governo PSD também de Cavaco Silva), comissão esta posteriormente reformulada por legislação de 2003 do governo PSD/CDS de Durão Barroso e Paulo Portas.
Uma sucessão de «malfeitorias legislativas» – assim lhes chamou João Ramos – onde é possível observar o modo como o PS foi dizendo não, sempre que na oposição, para a seguir fazer exactamente o contrário logo que chegou ao governo, «aplicando-as de forma rigorosa». Foi assim em 1996, com o governo PS/Guterres, bem como em 2005, com o PS de Sócrates, referiu o deputado do PCP, que trouxe à memória o «empenho e zelo» demonstrados por aquele último quando se tratou de concretizar as medidas do seu antecessor PSD/CDS-PP.
Total descrédito
E o mesmo se pode dizer dos partidos que ocupam hoje a Gomes Teixeira, o que levou João Ramos a considerar que o processo legislativo e as medidas por todos eles tomadas «são politicamente escabrosos» e reveladores da sua falta de credibilidade «ética e política».
Veja-se, exemplificou o caso do então deputado e líder do PSD, então na oposição, Durão Barroso, que em 13 de Dezembro de 2000, com uma manifestação de viticultores durienses à porta da AR, contrariava em tom inflamado a aplicação que o governo PS/Guterres estava a fazer da legislação que o governo PSD/Cavaco Silva tinha aprovado.
Dizia na altura aquele que é hoje presidente da Comissão Europeia, recordou o deputado do PCP, que «o Estado deve indemnizações à Casa do Douro», exigindo, em nome do PSD, que esta fosse dotada de «fontes de financiamento próprias e estáveis». Mas Barroso não se ficou por aqui, criticando também o governo PS/Guterres por este haver retirado o cadastro dos viticultores da Casa do Douro.
Mas foi sobretudo no percurso destes dois anos e meio do actual Governo, que apelidou de «vergonhoso» (ver caixa), que João Ramos assestou baterias. Depois de dar conta desse comportamento lamentável do Governo – ignorou por exemplo um parecer dos municípios e não concretizou propostas que garantiu entregar –, criticou essa «novidade» tirada da cartola que foi a «passagem da Casa do Douro a associação privada», e que é no fundo a proposta feita pelo governo PSD/Cavaco Silva em 1986.
Processo criminoso
«Vergonhoso» foi o adjectivo várias vezes utilizado por João Ramos para caracterizar o processo relacionado com a Casa do Douro, do qual têm saído sempre a perder os pequenos viticultores face aos grandes interesses instalados na região duriense.
É-o, desde logo, no que toca à avaliação do património de vinho, com valores de autêntico saldo e longe dos compromissos assumidos.
Em relação à aguardente vínica a partir de vinhos de fora da região, por outro lado, regista-se a mesma cedência «aos mesmos de sempre», e, para cúmulo, também a autorização do seu uso no «benefício», o que é visto por João Ramos como mais um «frete» aos principais grupos, com grandes plantações fora da região demarcada e no estrangeiro, a quem é aberto assim um «canal lucrativo para o escoamento dos subprodutos dessa produção».
O corte do benefício aos pequenos viticultores, com a promessa de melhores preços que afinal redundaram numa acentuada baixa, foi igualmente assinalado pelo deputado do PCP, que lembrou que na última década terão perdido 40 a 50% de benefício e uma perda de rendimento superior a 60%.
Dessa lista negra de ataque ao Douro faz parte ainda a «apropriação de receitas da taxa do IVDP, fazendo os durienses pagar um outro imposto», 40 meses de salários em atraso aos trabalhadores da Casa do Douro, bem como a falência e o encerramento das principais adegas cooperativas da região.
E uma proposta de saneamento apresentada como se na génese do afundamento financeiro da Casa do Douro não estivesse o conjunto de medidas de política que a «esvaziaram de funções, atribuições e competências», lhe «roubaram o cadastro a coberto de um protocolo que não é cumprido», a que se soma o incumprimento de sentenças de tribunais, o deixar «engordar» uma dívida com juros atrás de juros que soma já mais de 30 milhões de euros.
PS não pode tirar o cavalinho da chuva
Ao deputado do PS Agostinho Santa, que falara de «agricultores que desesperam», «região que geme», «trabalhadores com salários em atraso», empregando frequentemente um «nós» solidário e comprometido com a resolução dos problemas, João Ramos teve de repetir que esse sentido dado por aquele ao pronome pessoal apenas se ouve quando o PS está na oposição.
Porque, frisou, no governo teve muitas oportunidades de resolver os problemas e não o fez. Mais, insistiu, o PS incrementou com empenho decisões tomadas por governos do PSD que o antecederam.
Também o drama dos salários em atraso aos trabalhadores da Casa do Douro constitui um bom exemplo das responsabilidades do PS, pois, observou João Ramos, o facto é que «este Governo não está em funções há 40 meses», provindo o problema de governos anteriores.
A promiscuidade entre o IVDP (que acusou de ser um instrumento de ataque à Casa do Douro) e os interesses económicos, a própria dança de cadeiras em cargos de nomeação política foram ainda outros aspectos negativos realçados pelo deputado do PCP, que deu o exemplo dos dirigentes que estavam no IVDP, nomeados pelo PS, e que saíram para outras estruturas: o presidente daquele organismo saiu para a SONAE e está agora na Vitiportugal (estrutura de promoção de vinhos das casas exportadoras), o vice-presidente foi para director-geral da Grã-Cruz, uma das grandes casas exportadoras da região.
Por isso João Ramos acusou PSD, PS e CDS de serem co-responsáveis pela destruição da Casa do Douro e pelo desequilíbrio entre a produção e a comercialização.
Aniquilar
os pequenos produtores
Às acusações da bancada comunista procurou a maioria governamental responder, alijando responsabilidades e passando a bola para o PS, com a alegação de que a adesão à então CEE é que veio «alterar a missão da Casa do Douro», sem que ninguém entretanto tivesse feito nada. Disse-o Abel Baptista (CDS-PP), que garantiu no entanto estar «perto a solução» e que ainda «este mês haverá contactos com a Casa do Douro», posição corroborada por Luís Pedro Pimentel (PSD), que adiantou estar a «solução à porta», «global e definitiva» para o problema da dívida e do património.
«O Governo diz ter uma solução mas a verdade é que não a apresentou e, enquanto não o faz, os juros da dívida vão-se acumulando», ripostou João Ramos, assinalando que assim se vai descaracterizando a Casa do Douro e agravando a situação duma região onde «poucos estão cada vez mais ricos e muitos estão cada vez mais pobres».
O deputado do PCP não deixou, aliás, de notar que o Governo que está «sempre disponível para salvar buracos» de bancos não tenha essa mesma atitude quando se trata de «salvaguardar 40 mil pequenos produtores».
Verberada com dureza por João Ramos foi ainda a incoerência do Governo que, por um lado, enche o discurso com a importância das organizações de produtores e com a necessidade de «ganhar escala», e, por outro lado, aposta em destruir uma organização que representa em larga escala os interesses dos pequenos produtores.
O mesmo quanto aos problemas existentes entre a produção e a comercialização, aliás por aquele reconhecidos. Ora o que acontece, criticou, é que o Governo «aniquila o lado dos produtores, o contrapeso que existia do lado destes, e deixa tudo na mão da comercialização».