Os quadros de Miró
A novela em torno da venda pelo Estado português das obras do pintor catalão Juan Miró andará muito distante das reais preocupações, dramas e angústias que atravessam a vida do nosso povo. Contudo, a verdade é que este caso arrasta consigo elementos que dizem muito da política que está em curso e dos interesses que serve.
Segundo veio a público, em 2006 o BPN adquiria por 35 milhões de euros 85 quadros de Miró a um coleccionador japonês. Era o tempo do banco impoluto, acima de qualquer suspeita, que se movimentava nos inúmeros negócios a que os bancos impolutos e acima de qualquer suspeita se dedicam, incluindo o da aquisição de obras de arte. Dois anos depois iniciava-se a trágica história que se conhece com a «nacionalização» do BPN à qual apenas o PCP se opôs, coisa que nunca é demais relembrar. Os custos desta iniciativa de apoio ao grande capital – que pode bem vir a custar sete a oito mil milhões de euros – ficaram marcados no roubo de rendimentos e direitos ao povo português. Entretanto o BPN foi privatizado pela módica quantia de 40 milhões de euros, ficando o Estado com as dívidas do banco e tendo sido criadas duas empresas para gerirem recuperações de créditos, entre elas a Parvaloren, actual detentora das ditas obras de arte. Recuperação de créditos que, até ver, mais não passa do que um disfarce para camuflar o facto de o Estado continuar a entrar com dinheiro, como recentemente aconteceu com mais 510 milhões de euros entregues à dita Parvaloren, mais do que o valor dos cortes orçamentais previstos para o SNS em 2014.
Entretanto o PS, que consentiu e apoiou a privatização por este Governo dos correios, dos aeroportos, do sector energético, dos cimentos ou das telecomunicações ao grande capital nacional e estrangeiro, agita-se perante os órgãos de comunicação social e tenta na Justiça aquilo que quando esteve no governo nunca fez: impedir a delapidação do património nacional.
Da nossa parte, entre a sala de jantar de um qualquer banqueiro ou as paredes de um museu público português em condições de ser apreciado e valorizado pela população portuguesa ou por aqueles que nos visitem, não temos dúvidas sobre qual o destino a dar a este património.