A memória
Desde o «Processo Casa Pia» que a expressão jurídica «Registo para memória futura» se tornou correntia.
Pois hoje convém ir fazendo «memória futura» da governação.
Aliás, esta «memória futura» devia reportar aos executivos constitucionais de Mário Soares, pois com ele e desde aí não houve um único primeiro-ministro (e respectivo governo) que não porfiasse dar a próxima machadada no regime jurídico-constitucional da Revolução de Abril. Desembaraçaram-se da Reforma Agrária e da nacionalização dos sectores estratégicos, devolveram o poder económico e político à banca, operaram a destruição do Código do Trabalho e dos serviços públicos básicos do Estado social – a Educação, a Saúde e a Segurança Social. Isto resumidamente.
Há aqui protagonistas: Soares «lançou as bases» da destruição, Cavaco destruiu o tecido produtivo nacional (que agora reclama, «atacando» como PR que é, o PM que foi), Guterres acentuou a dívida do Estado e Sócrates obteve uma maioria absoluta graças à paródia do governo Santana, para se lançar no mais violento ataque generalizado ao Estado social construído com Abril.
Esta política restauracionista conduziu à actual maioria Passos/Portas, que chegou ao poder com promessas de remir a política restauracionista de Sócrates, mas surgiu como assumida «Besta do Apocalipse» (Passos disse na tomada de posse que ia «impor um novo paradigma»).
Acoitando-se no «resgate da troika» (a que chamou «o seu programa de Governo», que iria «cumprir e ultrapassar»), Passos lançou-se num frenesim de medidas antidemocráticas, actuando imperialmente sobre a gleba impúdica. Foi o tempo de «deixar a zona de conforto», de «emigrar» e de «não ser lamechas». Relvas, enquanto crescia o escândalo do curso vigarizado, titilou variadas trafulhices nas «privatizações» em que se meteu, o que deu o tom à 1.ª fase da governação.
Depois foram chegando os orçamentos do Estado: o Governo apresentou-os sistematicamente inconstitucionais, que foram sendo chumbados, constituindo-se num factual «governo fora-da-lei» que, através dos OE, prosseguia freneticamente a destruição da Função Pública, das reformas e das pensões, das carreiras profissionais (professores, médicos, enfermeiros, polícias, magistrados e etc.), esmagando os trabalhadores sob um selvático confisco fiscal. Tudo feito num estado de mentira permanente, com o Governo carcomido por membros corruptos ou sob suspeita, enchendo a máquina do Estado de apaniguados incapazes, ignorantes e até imberbes – mas sempre bem pagos –, enquanto os teóricos da «mudança de paradigma» vão revelando, em cada decisão que tomam, a sua espessa impreparação, desprezo pela vida das pessoas e a mais sórdida falta de escrúpulos. Isto sempre mentindo, ao ponto de grassar no País uma indiferença geral pelo que o Governo diz.
Mas a memória revela-os – e há-de varrê-los.