Depressão e trabalho

Inês Zuber

«As pessoas sentem que a vida não vale a pena ser vivida tal como está a ser vivida, com a qualidade baixa…», dizia a directora do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria em entrevista à RTP no passado mês de Outubro.

Parece que hoje em dia existe uma discussão (literalmente) académica sobre os nexos de causalidade entre a crise (ou antes, medidas de austeridade) e a incidência de depressões e suicídios. Não nos pronunciamos sobre correlações entre variáveis estatísticas e coisas que tais. Não negligenciamos a análise científica, obviamente. Mas há que convir que existem evidências (científicas ou não) que indiciam uma realidade dramática. E há que convir que a expressão «ter olhos na cara» se aplica claramente quando se analisa essa relação.

A consulta de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria aumentou os seus doentes desde o «início da crise». A Associação de Apoio a Doentes Depressivos concluiu que muitos doentes depressivos agravaram o seu estado clínico por pararem ou alterarem a sua terapêutica para uma que possam pagar. O Relatório da Primavera 2013 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde refere que os estudos sobre as conexões entre os efeitos das medidas de austeridade e o aumento das doenças mentais em Portugal são ainda escassos. No entanto, num estudo de amostragem realizado na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, concluiu-se que os casos de depressão cresceram 30 por cento e as tentativas de suicídio aumentaram 47 por cento entre a mulheres e 35 por cento entre os homens, entre 2011 e 2012.

Serão múltiplas as consequências do «pacto de agressão» contra os portugueses. Esta é certamente uma das mais dolorosas, mais negras, mais silenciosas e invisíveis. Uma antevisão do que já aconteceu na Grécia onde, e segundo dados da empresa de estatística ELSTAT, os suicídios aumentaram 43 por cento entre 2007 e 2011. No passado mês de Maio, quando os deputados do PCP no PE questionaram a Comissão Europeia sobre o aumento de suicídios em Portugal, o comissário Borg desvalorizou: «Em Portugal, entre 2007 e 2010, a taxa de suicídio permaneceu estável, com apenas um ligeiro aumento de 7,8 para 8,2 entre 2009 e 2010», respondeu. Haja insensibilidade.

O desemprego – afectando muitas vezes os dois membros do casal –, a incapacidade para fazer face a despesas correntes, a perda da casa, a diminuição dos apoios sociais, a pobreza, a falta de perspectivas, as tensões familiares decorrentes destas situações são algumas das causas para o desenvolvimento ou agravamento das situações de depressão que podem conduzir a tentativas de suicídio. No entanto, também em contexto laboral, é bastante provável que os problemas de saúde mental entre os trabalhadores estejam a aumentar. As taxas de desemprego elevadas criam pressões sobre as condições de trabalho, os trabalhadores sentem-se inseguros em relação à manutenção do posto de trabalho ou à existência de alternativas, estão mais sujeitos e vulneráveis à violência e assédio moral e sexual, à polivalência no trabalho – desempenhando muitas tarefas para as quais não estão vocacionados – e, com os despedimentos massivos como na Função Pública, são obrigados a acumular tarefas que eram antes feitas por outros trabalhadores. Não é, portanto, de espantar que a degradação das condições de trabalho e a crescente precariedade desencadeiem o aumento dos factores psicossociais e o aumento da depressão entre os trabalhadores portugueses. Segundo a Ordem dos Psicólogos, Portugal tem ainda pouca legislação específica para detectar estas situações precocemente, ao contrário de países como a França e a Bélgica, onde a legislação obriga a que existam técnicos especializados nas empresas, aos quais os trabalhadores podem recorrer. Não desconsiderando esta questão, parece também evidente que a maior prevenção que pode ser feita é a criação de condições de organização de trabalho com dignidade e que respeitem os direitos dos trabalhadores. Em Portugal tal só poderá vir a acontecer com um governo patriótico e de esquerda que esteja do lado de quem trabalha.

Passos Coelho disse, na mensagem de Natal, que o seu maior objectivo para 2014 seria terminar o «memorando de entendimento» «sem percalços». Sr. primeiro-ministro, as vidas que tem infernizado e destruído são, digamos, mais do que «percalços». O maior objectivo para os trabalhadores em 2014 será, certamente, o de terminar com este Governo. Rapidamente e sem grandes percalços.



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