Esta política conduz ao desastre
Passos Coelho só vê razões de satisfação para a forma como o País está a evoluir, afirmando mesmo que se «está a viver um momento histórico». Para Jerónimo de Sousa as intervenções do primeiro-ministro são uma desconsideração às graves dificuldades sentidas pelos portugueses.
A propaganda do Governo não bate certa com a dramática realidade do País
LUSA
O Secretário-geral do PCP reagia assim no debate quinzenal de sexta-feira passada às afirmações do chefe do Governo quanto a alegados «sinais positivos» na economia.
Os «resultados mostram uma inflexão da actividade económica e da tendência recessiva», sublinhara Passos Coelho na intervenção inicial onde foi notória a preocupação em pôr a tónica nos resultados das exportações e na ideia de que o «País está a caminhar para encerrar o seu programa de assistência económica-financeira».
Ora falar de «êxito» na aplicação do pacto de agressão, de «bom caminho», de «sinais disto e daquilo» só pode significar, na perspectiva do líder comunista, brincadeira de mau gosto ou mentira deliberada.
E por isso sugeriu a Passos Coelho que acertasse melhor o calendário, escolhendo antes o 1 de Abril, dia das mentiras, porque esse sim seria o que melhor se adequa à natureza da intervenção proferida.
«O País está hoje mais dependente, mais endividado, com mais pobreza, com mais exploração, com mais injustiças, e vem dizer que a sua política tem sido um êxito?», interrogou em tom severo o Secretário-geral do PCP.
Em sua opinião, aliás, o que se verifica amiúde é que a «propaganda discursiva» do Governo não bate certo com a realidade que vivemos.
Que cresceu o PIB, ou, à cautela, que houve abrandamento da recessão, diz o Executivo. O que não diz, prosseguiu Jerónimo de Sousa, é que «aquilo que de facto cresceu foi o número de multimilionários e as 25 maiores fortunas do nosso País». Como não diz que cresceu o número de portugueses que estão na pobreza ou em risco de nela cair e que hoje ascende a dois milhões e setecentos mil.
«Com estas estatísticas e ainda se atreve a vir dizer aqui, senhor primeiro-ministro, que os sacrifícios têm sido equitativos?», inquiriu.
Perpetuar o saque
Jerónimo de Sousa acusou ainda o Executivo de pretende difundir a ilusão de que a austeridade está a abrandar, recordando que na véspera em entrevista na TVI Passos Coelho confirmara que o «saque aos salários e pensões é não só para continuar como para perpetuar».
E frisou que «vivemos num País onde os trabalhadores, com a governação PSD/CDS-PP, trabalham mais e recebem menos».
Perante as acusações, Passos Coelho insistiu na ideia de que o País está a seis meses de encerrar o chamado «programa de assistência económica e financeira», sustentando que «isso não pode ser um desastre».
E dizendo concordar que «o preço social desta crise é muito elevado», salientou que é para «evitar que o País a cada vinte anos tenha de recorrer à ajuda externa e ao ajustamento forçado da sua economia que é indispensável vencer esta crise, terminar o programa e partir para outra».
E depois de insistir que «estamos a recuperar lentamente o emprego», a «baixar lentamente o desemprego», valorizou, por outro lado, as «expectativas que possamos formular em relação ao futuro», considerando-as «decisivas para a nossa recuperação».
Na réplica, Jerónimo de Sousa voltou a acusar o Governo de «recusar a realidade» existente no País e de executar uma política que «destrói vidas», como é o caso de muitos dos que «perderam o emprego, dos que viram a sua reforma cortada, dos jovens que não têm saída, que não têm alternativa». E perante o sinal de incómodo por tais palavras que foi dado pela testa franzida de Passos Coelho, o líder do PCP voltou à carga: «Acha que isto não é destruir vidas?»
Sem crítica não passou, por outro lado, as referências de Passos Coelho aos «sacrifícios» e às «dificuldades» dos portugueses. Para Jerónimo de Sousa, o que tais palavras traduzem vindas de quem vêm é uma espécie de «compreensão beata», de quem vê os outros como «coitadinhos», a quem dizem: «...mas nós estamos a fazer o melhor».
«Não. Ninguém acredita que surgirá, qual fénix renascida das cinzas que estão a provocar, uma solução para o nosso País», afirmou.
Ver o Governo pelas costas
A motivar a crítica acesa de Jerónimo de Sousa esteve a posição assumida na entrevista dada na véspera por Passos Coelho à TVI quando este disse estar «profundamente tranquilo em relação a qualquer manifestação popular de protesto».
«Aí está a natureza da sua política», salientou o líder comunista, descortinando naquelas palavras do chefe do Executivo uma «preocupação», sim, mas com os mercados.
«Com os mega-bancos, com as instituições financeiras, com esses preocupa-se; com os que se indignam, que vêem a sua vida andar para trás, esses não o preocupam nada», acusou.
O Secretário-geral do PCP lembrou ainda a Passos Coelho que «um outro crescimento» está em curso: o do número daqueles que – alguns que nunca tinham lutado na vida – têm feito ouvir a sua indignação, o seu protesto, participando na luta contra a política deste Governo».
E considerou que esse vai ser o «factor fundamental» para que neste final de ano cresça a esperança dos portugueses quanto à possibilidade de «ver o Governo pelas costas, com a sua demissão e a convocação de eleições antecipadas».
«Diga a verdade!»
Contestada por Jerónimo de Sousa foi também a afirmação de que o desemprego está a diminuir. O que o chefe do Governo não disse, enfatizou, é que cresceu o número de jovens desempregados, cresceu o número dos que emigram, dos jovens que hoje crescem no vazio, que não têm uma ponta de esperança em relação ao futuro».
Sobre as alusões de Passos Coelho a «mais emprego», mostrando a vacuidade de tais palavras, o líder comunista realçou que elas saem da boca de quem se prepara para despedir milhares de trabalhadores da administração pública, «colocando-os até ao fim do ano na incubadora da mobilidade». O mesmo Governo, acrescentou, «que quer despedir 600 trabalhadores nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo».
«Como é que acerta a cara com a careta?», perguntou, não escondendo a sua perplexidade perante a afirmação de que haverá mais emprego quando é o próprio Governo o autor material da proposta de despedimentos em massa.
Daí que o dirigente comunista, perante o sofrimento que atinge milhões de portugueses, fruto de uma política que lhes impõe sacrifícios, tenha contestado com veemência que Passos Coelho diga que as «coisas vão no bom caminho», deixando-lhe um repto: «Não minta mais. Diga a verdade!»