O Estado e a contra-revolução
O Governo PSD/CDS divulgou o seu «Guião para a reforma do Estado». Não tem faltado quem – sobretudo na área do PS, a quem esse documento é no fundamental dirigido – tenha vindo caracterizar esse documento por aspectos acessórios: tardio, incipiente, incompleto, escolar. É verdade. Mas isso não significa que não deva ser levado a sério.
Que não se deva procurar analisá-lo na base dos nossos próprios critérios: os da concepção marxista-leninista da questão do Estado. Porque se trata de um passo no processo de reconfiguração do Estado que ambiciona fazer a síntese do conjunto de medidas que a política de direita há décadas leva a cabo e que as troikas nacional e estrangeira aceleraram e radicalizaram.
O título deste texto remete para a obra clássica de Lénine, escrita há quase um século. Perante o processo deste «guião», duas coisas saltam à vista. Uma, a actualidade e a centralidade da análise marxista da natureza e da evolução do Estado. Outra, o facto de essa evolução implicar a compreensão concreta de cada circunstância histórica concreta. Por exemplo, aquilo que Lénine formula como «a tarefa não de melhorar a máquina de Estado mas de destruí-la, de suprimi-la». Que vemos neste «guião»? Que a contra-revolução a faz sua, para os seus próprios objectivos. Não, naturalmente, para todo o Estado, mas para tudo o que no Estado assegura direitos sociais dos trabalhadores e do povo, para vertentes que se constituem como elementos de soberania e de autonomia nacional. Não para «melhorar a máquina do Estado» na Educação e no Ensino, na Saúde, na Justiça, na Segurança Social, nos transportes públicos, na Água, mas para a destruir e privatizar («concessionar», «descentralizar», «contratualizar» têm o mesmo significado). Para «restruturar» a diplomacia, reduzindo-a à «vertente económica», ou seja à intermediação dos interesses do grande capital. Para reduzir as forças armadas a uma dimensão irrelevante porque, para a contra-revolução, a NATO assegura com menos riscos a repressão interna ou externa, se tal for necessário.
Afirma Lénine que o Estado «é o produto e a manifestação do carácter inconciliável das contradições de classe». Este «guião» é inconciliável com os interesses de todo o povo.