Na História
O País está uma vergonha, e por dois motivos.
O primeiro é o Governo, a que apenas as transfusões do Presidente Cavaco continuam a permitir-lhe contaminar Portugal. O primeiro-ministro diz uma coisa e o seu contrário no dia seguinte, o vice-Paulo faz o mesmo e o seu oposto no próprio dia, a ministra das Finanças é uma monocórdica boneca a girar sem fim o mesmo refrão das austeridades, o ministro da Economia abandonou a Unicer para ser mais uma irrelevância que agora larga palpites em inglês, o da Solidariedade idem-aspas para desgraça dos reformados, pensionistas, desempregados e trabalhadores em geral, o MNE desapareceu no buraco que abriu com Angola, o da Educação e o da Saúde prosseguem, silenciosos, o seu trabalho de destruição do Ensino e da Saúde universais, o da Defesa e o da Segurança Interna cortam sem parar, até manifestações na Ponte 25 de Abril, o resto é a mais concentrada irrelevância do regime democrático e, todavia, pela turba governativa lateja, fremente, a pulsão de exterminar, depressa, o que resta do Portugal de Abril. Porque este é o único objectivo que movia a frase da «mudança de paradigma» de Passos Coelho, logo no seu início.
Esta gente já destruiu muita coisa nos principais campos visados, o Código do Trabalho ou o Serviço Nacional de Saúde, a Educação ou a Segurança Social, entre outros mais sectoriais, agindo a coberto «da crise» e visando o regresso aos tempos do fascismo, onde imperava a miséria e o medo generalizado pela PIDE.
Falta-lhes, contudo, a PIDE para arrematar a obra, mas essa apenas sobre os escombros do regime democrático – o que não será fácil.
O segundo motivo é o Presidente da República, que continua a ser o que sempre foi: um conservador pequeno-burguês, campónio e ambicioso, que andava a tratar da vida quando lhe surgiu a lotaria de governar o País, garantindo então que «não tinha dúvidas e raramente se enganava», uma das frases mais imbecis e autoreveladoras proferidas por um responsável político de topo.
Ao chegar, finalmente, à Presidência da República continuou a ser o que era, pelo que nada do cargo lhe penetrou na alma e foi a sua alma que deu ao cargo uma flagrante disfunção partidária. Sendo retintamente de direita, está a atirá-lo para as alfurjas da História, a que tanto a sua vaidade procura fugir.
Mas o pior é o que tem feito, até agora: sustentar um governo que implodiu às próprias mãos, fingir que não tinha qualquer importância a demissão do ministro das Finanças e a sua confissão de falhanço económico, ignorar tanto a demissão do líder Portas, parceiro de coligação, como o seu regresso horas depois e, finalmente, assistir, silente, e aprovar, impávido, as consecutivas leis e planos orçamentais flagrantemente inconstitucionais.
Um facto: a demora a demitir este Governo insano afunda-lhe, de dia para dia, o lugar na História.