Na História

Henrique Custódio

O País está uma ver­gonha, e por dois mo­tivos.

O pri­meiro é o Go­verno, a que apenas as trans­fu­sões do Pre­si­dente Ca­vaco con­ti­nuam a per­mitir-lhe con­ta­minar Por­tugal. O pri­meiro-mi­nistro diz uma coisa e o seu con­trário no dia se­guinte, o vice-Paulo faz o mesmo e o seu oposto no pró­prio dia, a mi­nistra das Fi­nanças é uma mo­no­cór­dica bo­neca a girar sem fim o mesmo re­frão das aus­te­ri­dades, o mi­nistro da Eco­nomia aban­donou a Unicer para ser mais uma ir­re­le­vância que agora larga pal­pites em in­glês, o da So­li­da­ri­e­dade idem-aspas para des­graça dos re­for­mados, pen­si­o­nistas, de­sem­pre­gados e tra­ba­lha­dores em geral, o MNE de­sa­pa­receu no bu­raco que abriu com An­gola, o da Edu­cação e o da Saúde pros­se­guem, si­len­ci­osos, o seu tra­balho de des­truição do En­sino e da Saúde uni­ver­sais, o da De­fesa e o da Se­gu­rança In­terna cortam sem parar, até ma­ni­fes­ta­ções na Ponte 25 de Abril, o resto é a mais con­cen­trada ir­re­le­vância do re­gime de­mo­crá­tico e, to­davia, pela turba go­ver­na­tiva la­teja, fre­mente, a pulsão de ex­ter­minar, de­pressa, o que resta do Por­tugal de Abril. Porque este é o único ob­jec­tivo que movia a frase da «mu­dança de pa­ra­digma» de Passos Co­elho, logo no seu início.

Esta gente já des­truiu muita coisa nos prin­ci­pais campos vi­sados, o Có­digo do Tra­balho ou o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, a Edu­cação ou a Se­gu­rança So­cial, entre ou­tros mais sec­to­riais, agindo a co­berto «da crise» e vi­sando o re­gresso aos tempos do fas­cismo, onde im­pe­rava a mi­séria e o medo ge­ne­ra­li­zado pela PIDE.

Falta-lhes, con­tudo, a PIDE para ar­re­matar a obra, mas essa apenas sobre os es­com­bros do re­gime de­mo­crá­tico – o que não será fácil.

O se­gundo mo­tivo é o Pre­si­dente da Re­pú­blica, que con­tinua a ser o que sempre foi: um con­ser­vador pe­queno-bur­guês, cam­pónio e am­bi­cioso, que an­dava a tratar da vida quando lhe surgiu a lo­taria de go­vernar o País, ga­ran­tindo então que «não tinha dú­vidas e ra­ra­mente se en­ga­nava», uma das frases mais im­becis e au­to­re­ve­la­doras pro­fe­ridas por um res­pon­sável po­lí­tico de topo.

Ao chegar, fi­nal­mente, à Pre­si­dência da Re­pú­blica con­ti­nuou a ser o que era, pelo que nada do cargo lhe pe­ne­trou na alma e foi a sua alma que deu ao cargo uma fla­grante dis­função par­ti­dária. Sendo re­tin­ta­mente de di­reita, está a atirá-lo para as al­furjas da His­tória, a que tanto a sua vai­dade pro­cura fugir.

Mas o pior é o que tem feito, até agora: sus­tentar um go­verno que im­plodiu às pró­prias mãos, fingir que não tinha qual­quer im­por­tância a de­missão do mi­nistro das Fi­nanças e a sua con­fissão de fa­lhanço eco­nó­mico, ig­norar tanto a de­missão do líder Portas, par­ceiro de co­li­gação, como o seu re­gresso horas de­pois e, fi­nal­mente, as­sistir, si­lente, e aprovar, im­pá­vido, as con­se­cu­tivas leis e planos or­ça­men­tais fla­gran­te­mente in­cons­ti­tu­ci­o­nais.

Um facto: a de­mora a de­mitir este Go­verno in­sano afunda-lhe, de dia para dia, o lugar na His­tória.




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