Os comunistas no Parlamento

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política)

Desde há muito, e sobretudo em tempos de maioria absoluta e da sua imposição de medidas sob o comando do grande capital e da troika estrangeira, é frequente encontrarmos um sentimento de rejeição da Assembleia da República. A campanha populista de ataque sistemático ao Parlamento, a par das graves medidas de destruição nacional ali aprovadas (ou pelo menos ali maioritariamente apoiadas), leva a que frequentemente se polarize naquele órgão de soberania a rejeição das políticas e a desconfiança em relação aos eleitos.

A intervenção dos eleitos comunistas é um contributo para a luta do povo

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Trata-se de uma campanha politicamente orientada para o ataque ao regime democrático e que, lançando raízes profundas na propaganda fascista de Salazar contra a política e os partidos, encontra um alvo preferencial no único órgão de soberania que espelha a pluralidade de correntes políticas e ideológicas – a Assembleia da República. Esta ofensiva procura, por um lado, abrir espaço à degradação do regime democrático e da democracia política e, por outro, proceder ao branqueamento das responsabilidades de sucessivos governos e dos partidos que os apoiaram – PS, PSD e CDS. A ideia de que «são todos iguais» que sempre acompanha os ataques aos «políticos» e aos «partidos», é traduzida com frequência na crítica indiferenciada à Assembleia da República e aos deputados.

São dessa família as recorrentes propostas de redução do número de deputados, escondendo que o efeito directo dessa redução seria, no quadro político actual, a diminuição drástica da representação do PCP, a facilitação de maiorias absolutas do PS ou do PSD e a garantia do domínio do chamado «bloco central» (que é afinal um bloco da política de direita). O facto é que surgem com frequência opiniões, mesmo de gente comprometida com a luta dos trabalhadores e das populações, tendentes a desvalorizar a importância do Parlamento e até a discordar da presença e intervenção regular dos eleitos comunistas naquele órgão de soberania.

Compreendendo a indignação contra as políticas de direita, designadamente as medidas aprovadas pela Assembleia da República e tendo presente que as sistemáticas campanhas antiparlamento têm naturalmente efeito, mesmo nos convictos democratas e nos que lutam pelo progresso social, é preciso não esquecer que a intervenção parlamentar dos comunistas se integra na luta mais geral do Partido, dos trabalhadores e da população. A intervenção parlamentar do PCP é um importante instrumento para potenciar a luta massas, para dar combate às políticas de direita e, não menos importante, para apresentar e dar visibilidade à política alternativa que propomos para o nosso País.

Contributo a valorizar

É com a intervenção dos comunistas que chegam ao Parlamento as denúncias de violações dos direitos dos trabalhadores nas empresas, a luta das populações pela melhoria e contra o encerramento de serviços públicos, os problemas económicos e sociais de regiões, concelhos, freguesias e lugares do nosso País, os problemas concretos de sectores profissionais e de actividade e tantas outras matérias que de outra forma não teriam ali qualquer tradução. É uma intervenção que enriquece profundamente o funcionamento do órgão de soberania e o próprio regime democrático.

Ao defendermos a Assembleia da República enquanto órgão de soberania central no nosso regime democrático e importante espaço de tradução de lutas e propostas, não estamos com isso a dar validade e apoio a aspectos negativos, entorses, condutas erradas e condenáveis ou privilégios. Nunca estivemos de acordo com subvenções ou apoios que não correspondem às contribuições de forma idêntica aos restantes trabalhadores; condenámos e muitas vezes denunciámos promiscuidades com grandes empresas e grupos económicos, grandes escritórios de advogados ou outras expressões do domínio do poder económico sobre o poder político; rejeitamos comportamentos de desleixo e não cumprimento dos deveres que comporta o exercício do cargo e o respeito pelas populações que elegem os deputados.

E se dúvidas houvesse sobre a importância da participação do Partido naquele espaço de intervenção, bastaria imaginar o que seria o Parlamento sem a intervenção dos comunistas para termos a ideia exacta de como ficaria prejudicada a defesa dos interesses do povo português.

A conduta dos eleitos comunistas, respeitando a regra de não serem beneficiados nem prejudicados (prática ainda desconhecida de muitos portugueses e que importa dar a conhecer), respeitando o mandato popular e sendo naquele espaço porta-vozes da condenação da política de direita e da exigência de uma política patriótica e de esquerda, é um contributo para a luta do nosso povo por um futuro melhor. Um contributo que importa divulgar e valorizar.

 



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