A culatra

Henrique Custódio

O ministro do MAI, Miguel Macedo, foi compondo uma imagem de bom rapaz ao longo da vida adulta, toda passada à mesa do poder: nascido em 1959, começou a sua carreira política na JSD (tinha de ser), aos 28 anos iniciou uma jornada de 15 anos como deputado, a que se acrescentou três secretarias de Estado nos governos de Cavaco, Barroso e Lopes e, finalmente, o almejado Ministério, que não foi «o da Marinha!», como se escandecia o conde d'Abranhos, mas o da Administração Interna da actual agremiação governamental.

Um político da estirpe de Passos Coelho ou de António José Seguro – a estirpe dos «políticos jota», que crescem nos partidos e só conhecem o amarinhar pelo poder no Estado.

Perante a decisão da CGTP-IN de convocar um desfile-manifestação na Ponte 25 de Abril, o ministro Macedo, para coreografar uma pacatez democrática, prolongou o mais que pôde os encontros com a central sindical para, enfim, proibir a manifestação por «razões de segurança», que lhe foram prestimosamente fornecidas pelas autoridades que tutelam a passagem, com relevo para o consórcio internacional Lusoponte, usufrutuário do maná da exploração que sucessivos governos PSD e PS lhe depositaram no regaço.

Num raciocínio obtuso (como lhe é frequente), o editorial do Público do passado domingo arguia, mesmo, que «a CGTP confundiu a liberdade de manifestação com o lugar onde manifestar-se. Não o devia ter feito».

O editorialista também não devia publicar a extraordinária ideia de que a liberdade de manifestação não abrange a escolha do lugar para a realizar. É que essa escolha constitui, nada menos, que a própria identidade de qualquer manifestação...

Entretanto, o ministro Macedo esforçou-se até à veemência ruborizada para garantir, na AR, que a sua proibição não era política, mas estritamente securitária. Responderam-lhe que também na missa papal de 2010, no Terreiro do Paço, as autoridades competentes a desaconselharam por «falta de segurança», mas a missa fez-se. Por decisão política do Governo, pois claro. Tal como a proibição da manifestação na Ponte 25 de Abril foi uma decisão política do ministro, jure ele o contrário, a pés juntos e as vezes que quiser.

Por isso o «bom rapaz» estendeu-se ao comprido, ficando publicamente estatelado no que realmente é: um homem de direita que, em tão longo tirocínio na «vida pública», nunca aprendeu – e menos ainda apreendeu – o que é a inviolabilidade dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos em regime democrático.

A manifestação cumpriu o seu objectivo – o de fazer atravessar na Ponte 25 de Abril a poderosa exigência nacional de demissão deste Governo de desastre –, como deixou claro, a um ministro e a um governo antidemocráticos, que as proibições totalitárias não têm legitimidade no Portugal de Abril, como se confirmará em próximos futuros.

Pelo que o tiro saiu pela culatra ao ministro Macedo, tal como pela culatra sairá o tiro com que o Governo pretende liquidar o País de Abril.

 



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