A parte e o todo
O misterioso caso dos dados fornecidos ao FMI sobre a redução dos salários em Portugal está quase a transformar-se num enredo de romance policial, embora nos pareça, a avaliar pelo que se sabe, que a coisa não anda longe de um autêntico caso de polícia.
Apurando os factos:
- Primeiro, o Governo faz chegar ao FMI, durante a sétima avaliação, dados que fixam em sete por cento o número de trabalhadores portugueses do sector privado abrangidos por cortes salariais, quando na realidade esse número ascende (pelo menos, que isto das estatísticas oficiais tem que se lhe diga...) a 27 por cento;
- Segundo, o FMI torna público que a «receita» para Portugal (apesar de errada como madame Christine Lagarde e outras doutas personalidades têm vindo a reconhecer), é não só para prosseguir como para aprofundar, que é como quem diz redução do salário mínimo, redução do salário mínimo dos jovens, eliminação das cláusulas de protecção do posto de trabalho, revisão dos despedimentos por justa causa, redução das restrições do Código do Trabalho que impedem a redução dos salários, a eliminação do aumento na duração do subsídio de desemprego, etc., etc.;
- Terceiro, o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (tutelado por Mota Soares) faz saber que os dados fornecidos ao FMI correspondem ao que foi solicitado por essa entidade, explicitando que são dados parciais;
- Quarto, a imprensa «bem informada» revela que Pedro Passos Coelho fez uma longa exposição no último Conselho de Ministros sobre a «especulação em torno dos dados parciais que chegaram ao FMI» e garante que o Governo «rejeita novos cortes salariais»;
- Quinto, as exigências do FMI mantêm-se, apesar de estar ciente dos dados totais;
- Sexto, Passos Coelho «confidencia» que um segundo resgate poderá ser «inevitável».
E tudo isto em vésperas da avaliação da troika dois em um (a oitava e a nona), já a ser preparada em Bruxelas, Frankfurt e Washington por Maria Luís Albuquerque e Paulo Portas, o «irrevogável», que perdeu o pio desde que assumiu as suas novas funções.
Não havendo dúvida nenhuma de que os portugueses estão a ser vítimas de serial killers, é caso para perguntar quem está a tentar passar por inocente nesta história.