Outra política para a floresta

João Frazão (Membro da Comissão Política do PCP)

Em doses sucessivas de imagens chocantes, entra-nos diariamente casa adentro o inferno de serras completamente tomadas por labaredas, destruindo uma riqueza incalculável; a angústia de quem vê os seus haveres, fruto de uma vida inteira de esforço e canseiras, desaparecer num ápice, traduzida na expressão repetida «ainda ontem lá passei e não tinha ardido e agora já está tudo queimado»; o horror de quem se vê obrigado a sair de sua casa, sem ter a certeza de a encontrar, ao regressar, completamente destruída; a morte quase em directo de bombeiros que, de forma corajosa e determinada, e quantas vezes com meios limitados, combatem como podem esse monstro da natureza, realidade que, este ano, atingiu números alarmantes.

 

Há que apostar no ordenamento do território e na prevenção

Dito isto, é necessário sublinhar que o problema principal não está, obviamente, no mensageiro. Ele reside nas opções políticas de gestão da floresta portuguesa, responsáveis pela incúria, pelo desleixo, pelo abandono. Opções que, vistas as coisas, são absolutamente criminosas. Dir-se-á que as condições climatéricas são difíceis, que o investimento nos meios de combate nunca foi tão grande, que as pessoas se desleixam e não tratam da limpeza das matas a tempo.

A estratégia este ano parece ser culpar meia dúzia de pirómanos, vagabundos vingativos ou gente desequilibrada que, de uma hora para a outra, decidiu pôr o País a arder. Argumento que não resiste ao facto de que terão sido detidos cerca de meia centena de pessoas por suspeita de fogo posto, enquanto apenas num dia os incêndios que se iniciam podem ultrapassar duas centenas.

Ora, a verdade é que o País está hoje a pagar os custos de dezenas de anos de abandono do interior, de desinvestimento na floresta portuguesa, de promoção da plantação das espécies de crescimento rápido, ao serviço das empresas de celulose, de desmantelamento dos serviços do Estado de controlo e vigilância da floresta. Anos em que PS, PSD e CDS fizeram orelhas moucas aos estudos, avisos e recomendações.

A decisão de integrar o experimentado e conhecedor corpo da Guarda Florestal na GNR, em 2006, criou um imenso vazio, nunca preenchido pelo SEPNA e pelo ICNB, pela exiguidade de meios. Com as suas funções mal definidas e a integração na GNR ainda com problemas por resolver, os guardas florestais que existem continuam a lutar para que a classe não se extinga, com a passagem do último deles à reforma.

 Sem pessoas não há prevenção

Nos concelhos mais afectados pelos incêndios, o abandono e a desertificação humana são uma realidade indesmentível. Nos concelhos onde lavraram alguns dos maiores incêndios deste ano, os números são esclarecedores: Alfandega da Fé perdeu 14 por cento da sua população entre censos; Mondim de Basto perdeu 12,5 por cento; Tondela perdeu quase 10 por cento. Sem gente não é possível políticas de prevenção. E acresce que a floresta que arde não é apenas de particulares. Arde mata pública e até ardem zonas em que o Estado tem particulares responsabilidades na protecção, como sejam os casos das áreas protegidas dos parques naturais e mesmo o Parque Nacional.

Os mediáticos e muito anunciados meios para o combate aos incêndios, nomeadamente os meios aéreos, apesar de insuficientes, têm orçamentos que, como se sabe, estão nos antípodas das verbas disponibilizadas para a prevenção. Por cada euro gasto em prevenção, o Estado gastou quatro em combate. Ainda na última reprogramação do PRODER, o Governo PSD/CDS cortou 46 milhões de euros à medida «minimização de riscos», num conjunto de cortes de cerca de 150 milhões de euros, apenas na parte florestal.

O nó está, de facto, na opção da política florestal que, ao longo dos anos tem juntado PS, PSD e CDS. Opção que tendo por base a dita competitividade, deixa à sua sorte milhares de pequenos e médios proprietários, arredados dos apoios nacionais e comunitários, a braços com despesas avultadas para cuidar da floresta, e a quem querem hoje pagar a madeira ao preço de há dez anos.

PS, PSD e CDS juntos na falta de apoio às Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), na não concretização do Cadastro Florestal, no abandono das metas da Estratégia Nacional para as Florestas, juntos nas críticas que fazem enquanto estão na oposição e na insistência do mesmo rumo quando vão para o governo, juntos na justificação de sempre da necessidade de contenção financeira.

O que é necessário é uma outra política. Que aposte no ordenamento do território e na prevenção, que alargue a presença das espécies autóctones, valorize os pequenos e médios proprietários da nossa floresta, que defenda o mundo rural como primeira linha de defesa do nosso património. Também na floresta é necessário outro rumo.

 



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