O rosto do velho Japão

Luís Carapinha

Não se esperavam grandes surpresas das eleições de domingo para o Senado no Japão. Confirmou-se a vitória do Partido Liberal Democrata (PLD) do primeiro-ministro Shinzo Abe, força hegemónica da direita e da política nipónicas desde, praticamente, o pós-guerra. Um triunfo eleitoral sem brilho, pautado pela subida da abstenção (que ficou a rondar os 50 por cento), o que é bem a expressão do desalento imperante na sociedade japonesa. Mas que resulta na recuperação pelo PLD e satélites da maioria nas duas câmaras do parlamento nacional, a Dieta. Igualmente confirmada foi a queda a pique da social-democracia do Partido Democrático (PDJ), na linha da derrota sofrida em Dezembro nas eleições para a câmara baixa que pôs termo a 39 meses de Governo liderado pelo PDJ – por sinal, o mais longo período de afastamento do PLD do poder desde 1955. É uma evidência que, após as derrotas históricas de 2007 e 2009, a recomposição da votação do partido de Shinzo Abe deve-se mais ao fiasco do PDJ do que a mérito próprio. Fruto da incapacidade da social-democracia em corresponder minimamente aos anseios de mudança de milhões de japoneses, no pano de fundo de décadas de estagnação económica e agravamento das desigualdades sociais enfrentados pelo Japão, terceira economia mundial.

É neste quadro que se regista a importante subida do Partido Comunista Japonês (PCJ) que quase duplica a sua representação (de seis para 11 lugares). Com uma votação que ultrapassou o previsto pela generalidade das sondagens, os comunistas japoneses reforçam as suas posições em várias das maiores cidades, incluindo em Tóquio. Um sinal a reter para as lutas que se seguem.

Previsivelmente, depois da eleição de 21 de Julho a agenda revanchista de Abe e do grande capital japonês acentuar-se-á. Em torno de dois grandes eixos: o aprofundamento das políticas de «desregulação» e concentração da riqueza que atingem duramente os rendimentos e direitos dos trabalhadores e a revisão da Constituição «pacifista» do Japão de 1947, resultante da derrota do militarismo nipónico na II Guerra Mundial. Nos últimos anos o Japão violou repetidamente a Lei fundamental por via da participação encapotada, ao lado dos EUA e da NATO e ao abrigo dos acordos de parceria estratégica estabelecidos com ambos, no apoio às guerras do Afeganistão e Iraque. O império do sol nascente alberga no seu território dezenas de milhares de soldados dos EUA e é parte do projecto estratégico de escudo antimíssil do Pentágono. Tóquio pretende agora ir mais longe e eliminar os entraves à completa transformação das forças de autodefesa nipónicas num Exército belicista e alterar o célebre artigo 9 que rejeita a guerra e proíbe o uso da força em acções ofensivas internacionais. No mesmo passo Abe já avisou que pretende renegar o pedido de desculpas de Tóquio de 1995 pelas agressões e crimes de guerra de um passado não distante.

Do outro lado do Pacífico, o imperialismo norte-americano incentiva o endurecimento de Tóquio. A «escalada territorial» contra Pequim nas disputas no Mar Oriental da China serve os seus interesses na região agora abertamente qualificada de prioritária pelos EUA. No plano económico, Abe tenta acomodar os interesses do capital japonês à TPP promovida pelos EUA entre as duas margens do Pacífico, acordo de «livre comércio» que exclui a China. E o Japão junta-se aos EUA e às «vozes» que «exortam» Londres a manter um papel de liderança na UE.

Malhas que o imperialismo tece… e a que é preciso estar atento na análise do movimento do sistema dominante, nestes tempos de agravamento de contradições fundamentais.

 



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