A Turquia mudará?

Ângelo Alves

O que está presente nesta onda de protestos são as imensas contradições

Ao momento da redacção deste artigo recebemos as notícias de uma nova onda de repressão da musculada polícia turca na Praça Taksim em Istambul. Foi este o sinal que Recep Erdogan, o primeiro-ministro do governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP – direita neoliberal de origem islâmica) deu aos manifestantes e ao povo turco 12 dias após o início dos protestos e na véspera de um anunciado encontro do Governo com alguns manifestantes.

Não sabemos qual a resultante deste braço de ferro entre o governo e as massas em movimento, onde se incluem sindicatos (nomeadamente do sector público (KESK) e a confederação dos sindicatos revolucionários), claques de futebol, gente da cultura, ecologistas, nacionalistas, advogados, médicos, partidos políticos, nomeadamente o Partido Comunista da Turquia e o Partido do Trabalho (EMEP), entre outros. Mas uma coisa é certa, a Turquia está a sair de alguma apatia social e política que há décadas é mantida com forte pulso, primeiramente com os nacionalistas e a hierarquia do exército, e a partir de 2002 com os chamados «islamitas moderados» e o AKP – fundado por Erdogan, resultante da fusão de vários partidos com uma ala do Partido da Virtude, religioso islamista.

Estas quase duas semanas de manifestações, com uma greve geral pelo meio, tiveram como rastilho o protesto contra a construção de um centro comercial no parque Gezi, o parque da Praça Taksim, no centro histórico do lado Europeu de Istambul. Mas a construção de mais um centro comercial em Istambul foi apenas isso, o rastilho. Num país de maioria muçulmana, com uma grande complexidade política, intimamente ligado ao imperialismo norte-americano e à NATO, com fronteiras com a Síria e o Iraque, seria ingenuidade pensar que a única razão dos acontecimentos era a destruição do parque Gezi.

O que está presente nesta onda de protestos em dezenas de cidades são as imensas contradições sociais, políticas e culturais da Turquia. A eleição de Erdogan enganou muitos, quer na Turquia quer fora dela. O fim do «reinado» do Partido Republicano do Povo (CHP – nacionalista, da corrente da social-democracia, fundado pelo General Kemal Ataturk em 1923) reduziu o papel directo do poderoso exército turco na gestão do Estado, e isso alimentou esperanças em muitas boas almas. Mas a «aura» que cobriu Erdogan durante algum tempo depressa se desvaneceu. No plano económico foi imposto o neoliberalismo puro e duro, nomeadamente com a venda de património do Estado, uma das razões do boom de construção em terrenos vendidos a preços de chuva ao grande capital. No plano laboral, a desregulação laboral, os despedimentos em massa e a repressão dos sindicatos é a marca do governo. No plano cultural e religioso o governo de Erdogan prossegue a estratégia de reverter os quase cem anos de secularidade republicana. No plano dos direitos democráticos a «tradição» repressiva do Estado turco foi mantida. No plano das relações externas, e depois de arrefecer os «seus amores» à União Europeia, Erdogan lançou-se na afirmação da Turquia como importante peça no projecto do grande Médio Oriente. E terá sido o envolvimento proeminente e directo da Turquia na guerra contra Síria, a par com contradições entre diferentes círculos de poder da classe dominante, um dos factores de ignição da actual revolta.

Fruto do regime político e eleitoral vigente, não há um único partido no Parlamento que esteja em condições de dar genuína expressão política ao movimento das ruas. Resistir e construir pela base uma real unidade e alternativa políticas que liberte a Turquia do imperialismo é a grande tarefa que aquele povo e as suas forças revolucionárias e progressistas têm pela frente e a condição para que a Turquia mude de facto.



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