Essoutra Europa
Os desenvolvimentos da crise na União Europeia e o alastramento das suas dramáticas consequências no plano social confirmam análises e teses essenciais que constam da Resolução Política do XIX Congresso.
Confirma-se a impossibilidade de conciliação dos pilares e do rumo da UE com os direitos, os interesses e as aspirações dos povos da Europa. Sublinhe-se: dos pilares e do rumo da UE. Este último decorrendo dos primeiros. É que, longe de uma (des)orientação circunstancial, determinada por «líderes sem dimensão europeia» ou por outras razões do género, frequentemente invocadas, o rumo que a UE vem trilhando decorre das suas características matriciais, da sua natureza de classe.
Como há muito afirmámos e a vida o vem demonstrando à saciedade, a crise do capitalismo é, na UE, uma crise dos fundamentos da própria UE.
E as respostas da UE à sua crise confirmam e expõem, reforçadamente, essa sua natureza de classe.
Uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos
Recentemente, o PCP e o Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL) do Parlamento Europeu organizaram em Portugal um seminário com o tema «Uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos. Direitos, justiça social, cooperação e soberania». Este foi um importante espaço de reflexão colectiva, que contou com os contributos de partidos membros do GUE/NGL: de Espanha, da Esquerda Unida; de França, do Partido Comunista Francês; e de Chipre, do AKEL.
Dele resultam, entre outras, duas importantes ideias, ali reafirmadas.
A primeira, que o modelo e o sistema que as classes dominantes – através dos seus representantes políticos, direita e social-democracia – tentam impor aos povos da Europa não são inevitáveis.
A segunda, que a luta por uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos, exige uma ruptura com o processo de integração capitalista europeu, com a UE. Uma ruptura para a qual contribuirá a luta em cada país e, bem assim, a cooperação e articulação de esforços dos trabalhadores e dos povos de vários países. Uma ruptura que, em traços gerais e não sendo exaustivo, se articulará em torno de alguns eixos essenciais:
– A defesa de uma Europa de Estados soberanos, livres e iguais em direitos;
– A rejeição de imposições supra-nacionais que firam o direito de cada povo a decidir as políticas (económicas e outras) que melhor lhe servem;
– A rejeição do federalismo e a defesa do princípio de igualdade entre Estados – um país, um voto – com o direito de veto em questões de interesse vital;
– A reversibilidade dos acordos e tratados que regem a actual integração capitalista e o ajustamento do estatuto de cada país à vontade do seu povo e à sua real situação, salvaguardando as suas especificidades e admitindo as necessárias cláusulas de excepção;
– A salvaguarda da democracia e a defesa de uma efectiva participação dos povos na determinação do seu destino, combatendo e revertendo o esvaziamento das estruturas de poder que lhes são mais próximas e que melhor controlam, designadamente os parlamentos nacionais;
– A recuperação do comando político e democrático do processo de desenvolvimento, com a subordinação do poder económico ao poder político e a afirmação do Estado como estrutura determinante e referencial na economia;
– A propriedade e a gestão públicas de sectores estratégicos da economia, como condição para criar riqueza e distribuir de forma socialmente justa a riqueza criada; em especial, a defesa de uma banca pública ao serviço do desenvolvimento económico;
– A recuperação pelos estados de instrumentos de política económica, monetária, orçamental e cambial;
– A imediata suspensão e rejeição do Pacto de Estabilidade, do Tratado Orçamental, da Governação Económica, do Semestre Europeu, do Pacto para o Euro Mais e da Estratégia UE2020;
– A convergência no progresso das normas sociais e ambientais, com institucionalização do princípio da não-regressão;
– A rejeição do militarismo e das políticas securitárias; o fim da submissão ao imperialismo e à NATO; o respeito pelo direito internacional e pela Carta das Nações Unidas.
Num breve vislumbre e para introdução a um debate que necessariamente prosseguirá nos próximos tempos, eis alguns dos eixos da ruptura necessária, que abrirá caminho à construção de novas formas de cooperação entre estados soberanos, orientadas para o desenvolvimento social e económico mutuamente vantajoso, respeitadora da soberania nacional nos seus mais variados aspectos, da independência dos povos, dos valores da paz, da solidariedade e da cooperação.