Japão, ambições e memória histórica

Albano Nunes

Os sectores mais reaccionários da sociedade japonesa estão a atiçar o nacionalismo

Ao contrário do que afirmam certos comentadores, a esmagadora vitória do Partido Liberal Democrático nas recentes eleições do Japão, não tendo uma leitura fácil e linear, não representa uma qualquer vaga de apoio às posições nacionalistas e militaristas protagonizadas por Shinzo Abe, o chefe do PLD e novo primeiro ministro. A opinião do Partido Comunista Japonês (que com 3,56 milhões de votos e 6,13% melhorou a sua expressão eleitoral embora perdendo um deputado) é a de que não se trata de uma real opção política e de que o Japão está a entrar numa nova fase em que «a política que o PLD pratica há 60 anos chegou a um impasse e cada vez mais pessoas procuram um novo rumo político».

De facto este resultado é inseparável do sistema político e eleitoral perverso em que assenta a ditadura do grande capital, um sistema em que o PLD desempenha um papel estruturante de partido-governo, apenas interrompido pela vitória (também ela «esmagadora») do Partido Democrático nas eleições de 2009, aliás na lógica de alternância que vigora na maioria dos países capitalistas e que serviu para legitimar o «regresso» do principal serventuário do imperialismo japonês. Chamando a atenção para que nestas eleições se registou a maior abstenção de sempre, os camaradas japoneses consideram que isso também «mostra que o povo procura uma nova orientação política», sublinhando que para que isso aconteça «é essencial construir um PCJ mais forte, estreitamente ligado ao povo e capaz de assegurar uma perspectiva para o futuro do Japão».

Isto significa que no país do Sol Nascente como na generalidade dos países capitalistas, a arrumação das forças sociais e a vontade de mudança das grandes massas num sentido anti-monopolista e anti-capitalista não tem correspondência no plano político e ainda menos no plano eleitoral, e que a esmagadora vitória do PLD, que em conjunto com o Novo Komeito dispõe de uma maioria de dois terços na Dieta, não representa necessariamente o alargamento da base social e política das forças do grande capital. O mais provável é que esteja a suceder o contrário. E que seja justamente para disfarçar essa realidade, que os sectores mais reaccionários da sociedade japonesa estão a atiçar o nacionalismo, o negacionismo em relação aos tenebrosos crimes praticados pelas tropas japonesas no estrangeiro (particularmente durante a ocupação da Coreia e a invasão da China), o expansionismo e o militarismo.

Perante o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e a agudização das contradições inter-imperialistas, de uma situação de recessão/estagnação que já dura há duas décadas e o declínio do peso económico e político de um país que durante muito tempo foi considerado «locomotiva» do capitalismo, é manifesta a tentação de «fuga para diante» da classe dominante japonesa. Particularmente inquietante é o relançamento da campanha para a revisão da Constituição do Japão para dar cobertura legal à política externa expansionista que tem vindo a ser praticada em aliança, conflituosa mas estreita, com os EUA (e a NATO) no quadro do Tratado de «segurança» nipo/norte-americano criado e alimentado para «conter o comunismo» e assegurar o domínio imperialista da região Ásia-Pacífico.

É por isso importante acompanhar a evolução da política externa do Japão, com confiança em que o povo japonês e o seu poderoso movimento pela paz não deixarão campo livre a novas e perigosas aventuras do grande capital japonês, mas tendo bem presentes as lições da História, não esquecendo que o imperialismo nipónico conta no seu activo – como no caso do massacre de Nanquin cujo 75.º aniversário foi recentemente assinalado – alguns dos mais horrorosos crimes do imperialismo. Como foi sublinhado pelo nosso XIX Congresso, com o aprofundamento da crise capitalista a luta contra o fascismo, o militarismo e a guerra adquirem renovada importância.



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