O Tratado Orçamental
Entrou em vigor no primeiro dia do ano o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária – também conhecido como Tratado Orçamental.
Poucos conhecerão o conteúdo e as implicações deste novo Tratado. Não será por acaso. Feito, aprovado e ratificado à socapa, nas costas dos povos, fugindo ao escrutínio e debate públicos, o Tratado nasceu, como habitualmente, do consenso entre a direita e a social-democracia europeias. O processo foi invulgarmente veloz.
Em Dezembro de 2011, a BusinessEurope (confederação patronal europeia) emitia uma «Declaração sobre a Governação Económica» na Zona Euro, com recomendações para lidar com a crise do euro. Poucos dias transcorridos, o primeiro projecto de Tratado Orçamental via a luz do dia. Este projecto incluía o essencial das «recomendações» do grande patronato europeu.
Três meses depois, em Março de 2012, o Tratado era aprovado por 25 dos 27 estados-membros da UE. A pressa para ver o Tratado em vigor levou ao tripudiar das regras da própria UE. O procedimento de revisão dos tratados instituído no ordenamento jurídico da UE foi convenientemente posto de lado. A regra da unanimidade, até aqui exigida para a entrada em vigor de tratados europeus, foi ignorada e subvertida. Neste caso, bastaria apenas a ratificação de doze países da Zona Euro para que o Tratado entrasse em vigor.
Portugal foi o segundo país a ratificar o Tratado. Ironicamente, a Grécia foi o primeiro. Na Assembleia da República, a troika colaboracionista – PSD, PS e CDS – juntou os seus votos para inviabilizar a proposta do PCP de realização de um referendo que culminasse um amplo debate nacional, e ratificou sem delongas um tratado que não tinha nem tem legitimidade para ratificar. Fazendo-o, procuram consagrar e eternizar o pacto de agressão que co-subscreveram.
Agora, o conselho de ministros acaba de aprovar a transposição para a Lei de Enquadramento Orçamental da chamada «regra de ouro», instituída no artigo 3.º do Tratado. Esta regra aperta ainda mais o garrote do Pacto de Estabilidade, limitando o défice estrutural a 0,5 por cento do PIB. Até ao «equilíbrio orçamental» pretendido, a Comissão Europeia tem poder para delinear uma «trajectória de ajustamento», que exigirá mais cortes significativos na despesa pública. Cortes que serão rigorosamente policiados pela burocracia de Bruxelas. Caso seja detectado «um desvio significativo» face às determinações da UE, será accionado um «mecanismo automático de correcção», em linha com a «rigorosa condicionalidade política» associada aos programas do FMI.
O opróbrio e o roubo não ficam por aqui.
Diz o Tratado – e quer a troika colaboracionista que passe a dizer também o ordenamento jurídico nacional – que quando a dívida pública ultrapassar os 60 por cento do PIB, o país fica obrigado a reduzi-la a uma taxa média de um vigésimo por ano. Pretende-se assim manter ou mesmo intensificar o processo de extorsão de recursos nacionais, garantindo a sua canalização para os detentores de títulos da dívida pública nacional.
Teoricamente existirão duas maneiras de reduzir o rácio dívida pública/PIB. Ou através de um aumento do produto, graças ao crescimento económico, ou através da drenagem de recursos nacionais para o pagamento da dívida. Essa drenagem será tanto maior quanto menor for o crescimento (ou maior a redução) do PIB. Ora, nas condições actuais (e previsivelmente futuras) de profunda recessão, será sobretudo por esta segunda via que pretendem que o «ajustamento» se faça.
A corja que se senta na Gomes Teixeira não esconde as suas intenções. Há muito perdeu a vergonha. A proposta de alterações à Lei de Enquadramento Orçamental estipula que «a despesa com o pagamento dos juros e a amortização da dívida pública tem natureza prioritária».
O articulado do Tratado é um extenso rol de ataques à democracia, à soberania nacional, à própria dignidade do povo português.
Os países considerados incumpridores estão sujeitos à aplicação de sanções automáticas, com multas que poderão ascender a 0,1 por cento do PIB. No caso nacional, este valor pode ascender aos 170 milhões de euros.
A entrada em vigor deste Tratado ilegítimo – a que PSD, PS e CDS querem amarrar o povo português – não inscreve na pedra as suas determinações. Pelo contrário. A derrota do Tratado Orçamental, da ideologia que o inspira, das perigosas motivações que lhe subjazem e das forças sociais e políticas que o apoiam e o querem à força implementar, constitui um inadiável imperativo democrático e patriótico!