Monti quebra tabu
Contradizendo o que havia garantido há alguns dias, o primeiro-ministro demissionário italiano, Mário Monti, decidiu liderar uma coligação candidata às próximas eleições, agendadas para o fim de Fevereiro.
O patronato tece rasgados elogios ao até agora chefe do governo
A decisão do antigo comissário europeu, ex-quadro da Goldman Sachs e até há escassas semanas líder de um executivo não sufragado nas urnas pelos italianos, foi tomada após o amadurecimento de um tabu criado pelo próprio professor de economia, facto nada original, diga-se de passagem, como bem sabem os portugueses.
Sílvio Berlusconi, que anunciou a sua candidatura a um novo mandato legislativo horas depois do seu partido ter forçado a queda do governo Monti, a 8 de Dezembro, acusa o primeiro-ministro demissionário de ter um pacto secreto com o centro-esquerda, mas a tese parece fantasiosa. Ainda que o líder do Partido Democrático, Pier Luigi Bersani, tenha sido, desta vez, mais cauteloso, antes o PD foi muito duro para com Monti. Aquando da sua demissão e da manifestação da sua disponibilidade para «servir a Itália», o PD advertiu Monti para se afastar do duelo entre com Berlusconi, e só admitia que o até agora presidente do conselho de ministros se candidatasse ao cargo de presidente do país.
Monti, que não pode ser eleito como deputado por ser senador vitalício da República, tem como principal estribo eleitoral a União dos Democratas Cristãos (UDC), mas quando quebrou o tabu referiu-se à liderança de uma coligação de forças de centro que comunguem do seu programa de reformas políticas e económicas. Centro, é, aliás, uma forma de apresentar papas e bolos para enganar tolos, já que entre os apoiantes de Monti estão um fascista e ex-ministro de Berlusconi, Gianfranco Fini, do partido Futuro e Liberdade, e o presidente da Ferrari, Luca Cordero di Montezemolo, e o seu Movimento Itália Futura.
Entre os sustentáculos de Mário Monti estão, também, a Conferência Episcopal Italiana e o Vaticano, que através do diário L'Observatore Romano não deixou dúvidas em quem o papado confia para conduzir o rebanho católico transalpino em matéria de crises terrenas.
Mais e mais
Tendo desde sempre alimentado uma aura messiânica de independência técnica e desprendimento face a querelas político-ideológicas, Monti insiste na rábula. Durante a confirmação da sua candidatura disse que «a tradicional divisão entre esquerda e direita tem um valor simbólico e histórico», mas o importante agora é «a aliança real de que a Itália necessita, uma que foque a Europa e as reformas». Para que não restem equívocos, Monti acrescentou ainda ser favorável à «política responsável», à «dos factos», e manifestou-se pela «renovação da política italiana» com o ímpeto da «sociedade civil».
Mário Monti sabe muito bem ao que vem. Nas 25 páginas do seu programa de governo é claro que tem como objectivo «modernizar e simplificar drasticamente a legislação laboral» para «pôr fim à divisão entre trabalhadores com contrato e precários»; apoiar as empresas que empreguem jovens com menos de 30 anos; aprofundar a liberalização do comércio e serviços; proibir que os fundos públicos sejam usados em investimentos estatais geradores de crescimento económico; combater a fraude fiscal, pois «pagar impostos é um dever dos cidadãos»; reduzir os custos do parlamento, do financiamento dos partidos e das províncias; apoiar o investimento estrangeiro, etc., etc.
Boa parte das medidas integraram já o cardápio da receita que Monti impôs em Itália durante os últimos 13 meses. O que o economista pretende é elevar a ofensiva, prometendo sucesso garantido. O patronato tece-lhe rasgados elogios.
A semana passada soube-se que a dívida italiana superou, em Outubro, a barreira dos dois biliões de euros, que o PIB contraiu pelo menos 2,4 por cento em 2012 e que a taxa de desemprego continua a subir, particularmente entre os jovens, com 36,5 por cento de desocupados.