Orçamento merece veto
Para a Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, o PR deve vetar o Orçamento do Estado para 2013, que contém várias normas violadoras da Constituição, como se demonstra num parecer de Guilherme Fonseca.
Há um afrontamento ao Tribunal Constitucional
Caso o Presidente da República faça a opção política de não vetar o OE, deveria suscitar a fiscalização preventiva, pelo Tribunal Constitucional, das normas indicadas no parecer do juiz-conselheiro jubilado, defende ainda a Frente Comum, no ofício que enviou sexta-feira para Belém.
São colocadas em causa, concretamente, a redução de rendimentos (remunerações e pensões) e a suspensão do direito ao subsídio de férias, com recurso a medidas orçamentais.No dia 10, a Frente Comum tinha já requerido a apreciação preventiva da constitucionalidade do diploma que visa aplicar aos trabalhadores em funções públicas o regime de feriados e o Estatuto do Trabalhador-Estudante que consta no Código do Trabalho.
Estado obrigado
Na elaboração do Orçamento, «não foram tomadas em conta as obrigações decorrentes do contrato, em que são partes o Estado e os trabalhadores do sector público», defende Guilherme Fonseca, ao pronunciar-se sobre os artigos do OE que preconizam a redução da retribuição (27.º e 31.º), confrontados com o número 2, do artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa («O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.»)
Numa óptica constitucional, a retribuição do trabalho é um direito fundamental e o seu pagamento pontual e integral representa um comando para o Estado. O jurista observa mesmo que «o Estado não tem o direito de pagar a uns credores – por exemplo, credores internacionais, credores de parcerias público-privadas, credores dos bancos internacionais – e não a outros, os credores dos sectores da Administração Pública, os seus trabalhadores».
No OE, os salários sofrem uma diminuição, com estas medidas e com o aumento da carga fiscal. Este aumento dos impostos é classificado como «um verdadeiro esbulho», já que «pode equivaler a uma expropriação/apropriação pública da retribuição/remuneração», mas «sem a consideração de contrapartidas ou de recompensas no desempenho». Guilherme Fonseca refere, como exemplo, certificados de aforro ou títulos do tesouro, bem como títulos da dívida pública (uma hipótese que o Tribunal Constitucional já considerou, a propósito do pagamento de indemnizações por nacionalização).
A proibição da diminuição dos salários está expressa no Código do Trabalho, para o sector privado. Também o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas proíbe «diminuir a remuneração, salvo os casos previstos na lei». A Constituição não consagra expressamente o princípio da irretratabilidade dos salários, mas «não pode dizer-se tranquilamente que abra uma via fácil para permitir ao legislador uma redução/abaixamento das remunerações». Guilherme Fonseca cita vários artigos da Lei fundamental, dos quais «pode colher-se a ideia de que não estava e não está no propósito do legislador constituinte dar o aval a um tipo de medidas redutoras ou até eliminatórias daquelas injunções normativas do texto da CRP que, aliás, o legislador ordinário respeitou no Código do Trabalho e no RCTFP, quanto à proibição da diminuição dos salários».
A suspensão do pagamento do subsídio de férias, na totalidade, aos trabalhadores no activo (artigo 29.º), e em 90 por cento, a aposentados e reformados (artigo 90.º) «é claramente ofensiva de normas e princípios constitucionais». No parecer assinala-se que persiste «a linha de entendimento da inovação introduzida no OE para 2012», pelo que há agora «desrespeito patente do julgado do Tribunal Constitucional, constante do Acórdão n.º 353/2012», que reprovou tal opção. Guilherme Fonseca observa que «a violação do caso julgado é um vício assimilado ao vício da inconstitucionalidade material, não deixando de ser também um afrontamento do legislador ao Tribunal Constitucional».
Sendo o pagamento dos subsídios um direito adquirido pelos trabalhadores, o decreto do OE que determina a sua suspensão embate no artigo 19.º da Constituição, segundo o qual os órgãos de soberania não podem suspender o exercício dos direitos, «salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência». São desrespeitados ainda os princípios da igualdade (as medidas atingem só um grupo do mundo dos trabalhadores) e da proporcionalidade (as medidas são excessivas, pois para o objectivo de sanear as contas públicas poderiam ser escolhidas outras soluções, como o aumento da carga fiscal para os rendimentos do capital).
Harmonização de interesses
O juiz-conselheiro rejeita a alegação de «necessidade pública», para justificar as medidas, assinalando que o legislador não demonstra que não estaria aberto um outro caminho, que não colidisse com o direito à retribuição dos trabalhadores. Não há circunstâncias de excepcionalidade manifesta, como as que caracterizam o estado de necessidade (previsto no Código do Processo Administrativo, mas distinto do estado de emergência e do estado de sítio). Guilherme Fonseca salienta que «não é à sobra da invocação de um “interesse público”, a servir a “estabilidade orçamental”, que se pode pôr de lado aquele respeito escrupuloso das regras constitucionais que regem o OE», já que a Constituição «não abre uma via tão fácil para o poder político actuar como bem entende, numa situação de crise financeira», e «sem controlo pelos tribunais, designadamente, pelo Tribunal Constitucional».
Seria necessária uma «densificação do conceito de “interesse público”», mas a CRP «muito pouco, ou nada, nos diz que possa, na prática, servir de critério para essa densificação». Contudo, a CRP «aponta outros interesses, confrontando-os com o poder político, ou seja, os interesses legalmente protegidos dos cidadãos, os interesses dos trabalhadores, os interesses dos consumidores, os interesses das crianças, entre outros, o que vincula o poder político a um esforço de harmonização ou concordância prática entre esses múltiplos interesses e o “interesse público”».