Sem contemplações

Anabela Fino

A informação é do Banco de Portugal: o emprego está em níveis de 1997. A quem achar – e com razão – que esta é uma notícia terrível, importa esclarecer que o desastre não se fica por aqui, pois o BdP prevê a destruição no próximo ano de mais de 82 mil postos de trabalho, a somar aos 180 mil que se estima irem desaparecer em 2012, sem que haja perspectivas de melhorias no horizonte.

A previsão consta do Boletim Económico de Outono do BdP e é apenas uma de várias más notícias. O País regista, pela primeira vez desde os anos 80, uma redução da população activa – seja por os desempregados não terem possibilidade de voltar ao mercado de trabalho, seja por serem forçados a emigrar –, o que põe em causa a capacidade de crescimento da economia portuguesa no médio prazo; o PIB deve registar uma queda de 1,6 por cento no próximo ano; a contracção da procura interna deverá ascender a 17 por cento em termos acumulados no período 2011-2013; o consumo das famílias deve cair 3,6 por cento, o que traduz uma queda acumulada de cerca de 13 por cento no período 2011-2013.

Estas previsões, divulgadas na mesma altura em que o INE confirmou o aumento no último trimestre do número de desempregados em mais 44 mil, o que eleva a taxa desemprego em sentido restrito para 15,8 por cento e em sentido lato para 23,7 por cento, ou seja para mais de um milhão e 360 mil desempregados, não deveriam suscitar grandes dúvidas de interpretação quanto à falência das criminosas políticas que estão a ser seguidas e que são apresentadas ao povo português não só como «necessárias» mas também como «inevitáveis» para equilibrar as contas públicas e promover a economia, o crescimento e o emprego. Tal como não deveria suscitar dúvidas que a persistência neste caminho aprofundará a já degradada situação social e conduzirá o País ao abismo.

A verdade no entanto é que os próprios arautos do estado a que isto chegou – no caso o BdP – apresentam as suas estimativas envoltas em «incertezas», não porque admitam que as perspectivas possam ser melhores, mas porque ainda duvidam que mais desemprego e mais pobreza conduzam a mais retracção e menos consumo, o que obviamente significará maior quebra no PIB.  A «actual projecção está condicionada por elevada incerteza», diz o BdP, explicando que as políticas em curso têm o óbice de poder levar as famílias a perceber que o seu acelerado empobrecimento será duradouro, com inevitáveis consequências no consumo, tanto de bens duradouros como no consumo corrente, e – as que ainda o podem fazer – a tentar constituir poupanças.

Que fazer, então? Aí o BdP parece não ter dúvidas: reforma das funções sociais do Estado, tomando «decisões relativamente à definição dos serviços públicos considerados fundamentais» e, como não podia deixar de ser, com «consenso social». Nem é preciso concordar com as opções políticas do Governo, concede o BdP. O que é preciso mesmo é reduzir o País à miséria para ter a «confiança dos mercados».

Escasseiam as palavras para classificar – pelo menos em público – tais próceres da nação. Mas também é certo que isto não vai lá só com palavras. O que é preciso mesmo é mudar de rumo, remetendo-os para o lixo da história. Sem contemplações.



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