Dona Isabel
Dona Isabel pertence a uma casta que se preocupa com os pobres. A sua vida é um exemplo de dedicação aos que mais precisam. Regularmente vemo-la na televisão a anunciar grandes campanhas de recolha de alimentos promovidas pela instituição a que preside – o Banco Alimentar Contra a Fome. Dona Isabel dá muitas entrevistas, é presença habitual nas revistas e participa em muitas reportagens daquelas feitas à porta das grandes superfícies, ou em grandes armazéns, com dezenas de voluntários a embalar as latas de salsichas, os quilos de arroz, os pacotes de massa, recolhidos junto da população.
Dona Isabel também tem opiniões. Por estes dias ficámos a saber que não há miséria em Portugal, que os pais gastam o que não têm para dar essa luxuosa iguaria, que se chama Nestum, aos seus filhos, que os jovens de hoje lavam os dentes com a água a correr, que muitos utilizam o dinheiro necessário a uma radiografia num bilhete para um concerto rock, e que, dêem as voltas que derem, os portugueses têm que se habituar a não comer bifes todos os dias. Dona Isabel pensa e diz (assim da sua própria cabeça!!) que os portugueses viveram acima das suas possibilidades e que terão de empobrecer no futuro.
Houve quem não gostasse do que Dona Isabel disse e recordasse que a sua conversa cheirava a mofo. Pois Dona Isabel, ofendida, reafirmou tudo, puxando dos galões de quem dá o pão a mais de 300 mil almas.
É verdade que Dona Isabel gosta dos pobres mas também gosta dos ricos. Ou, pelo menos, não são estes que lhe fazem confusão. Não são os lucros obscenos, as negociatas de milhões na bolsa, a fuga e evasão fiscal, as grandes e cada vez maiores fortunas acumuladas à custa de salários de miséria, da exploração, do desemprego, da corrupção. O que faz sofrer Dona Isabel, são os maus hábitos do povo português, essa sua irritante resistência à mudança. Essa mania de ter casa, de ter emprego, de querer um futuro. Dona Isabel também gosta do Governo e do Presidente da República (e estou certo de que estes também a apreciam) pois repete, e justifica, com grande fidelidade e convicção os seus argumentos e a sua política.
Dona Isabel sabe que é preciso que os ricos sejam cada vez mais ricos para que possam ajudar cada vez mais pobres.