Comentário

Mais Europa» (aos patrões)

João Ferreira

Vale a pena de­termo-nos um pouco ainda sobre as con­clu­sões do úl­timo Con­selho Eu­ropeu.

Longe dos ho­lo­fotes da reu­nião magna, com dis­crição q.b., a con­fe­de­ração do grande pa­tro­nato eu­ropeu – a Bu­si­nes­sEu­rope – emitiu um con­junto de re­co­men­da­ções di­ri­gidas aos chefes de Es­tado e de Go­verno, poucos dias antes do con­clave.

Os pa­trões con­si­deram que «sal­va­guardar o euro é es­sen­cial». Para tal, instam os lí­deres eu­ro­peus a apro­fun­darem a in­te­gração «eco­nó­mica e po­lí­tica». De­fendem assim o seu ins­tru­mento de classe. O mesmo que per­mitiu, na úl­tima dé­cada, que os lu­cros au­men­tassem, em média, 36 por cento no con­junto da Zona Euro, en­quanto os custos uni­tá­rios do tra­balho reais se com­pri­miram um por cento.(1) A con­signa mais Eu­ropa para vencer a crise – cara a uma certa, au­to­pro­cla­mada, es­querda eu­ro­peísta – cai assim que nem ginjas ao grande ca­pital eu­ropeu. Na sua imensa va­cui­dade, ela serve claros ob­jec­tivos de classe. Ob­jec­tivos em nome dos quais vai pre­va­le­cendo um es­forço de con­cer­tação à mesa do Con­selho Eu­ropeu, apesar das muitas e cada vez mais vi­sí­veis con­tra­di­ções e di­ver­gên­cias entre as prin­ci­pais po­tên­cias eu­ro­peias.

Os pa­trões de­fendem um quadro fi­nan­ceiro in­te­grado, que in­clua um meca­nismo único de su­per­visão ban­cária na UE, sob a au­to­ri­dade do BCE, um me­ca­nismo de re­so­lução e um me­ca­nismo de ga­rantia único de de­pó­sitos.

Tudo isto é aco­lhido nas con­clu­sões do Con­selho Eu­ropeu. Em nome de uma ver­da­deira União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária, que ga­ranta longa vida aos ob­jec­tivos que lhe sub­jazem.

A Bu­si­nes­sEu­rope re­clama também «me­ca­nismos efec­tivos para pre­venir e cor­rigir de­sen­vol­vi­mentos or­ça­men­tais in­sus­ten­tá­veis nos es­tados-mem­bros». Para isso, apela à exis­tência de uma au­to­ri­dade cen­tral com o poder de forçar al­te­ra­ções às pro­postas de or­ça­mento na­ci­o­nais, sempre que estas vi­olem as re­gras de­fi­nidas pelas ins­ti­tui­ções eu­ro­peias. Uma vez con­su­mada esta trans­fe­rência de com­pe­tência da au­to­ri­dade na­ci­onal or­ça­mental para o nível eu­ropeu, que ga­ranta um cum­pri­mento es­trito dos cri­té­rios de Ma­as­tricht, os pa­trões de­fendem a ins­ti­tuição de um ins­tru­mento eu­ropeu de dí­vida – os fa­mosos eu­ro­bonds.

O Con­selho Eu­ropeu obe­dece e vai mais longe. Nas suas con­clu­sões pede uma im­ple­men­tação rá­pida da cha­mada go­ver­nação eco­nó­mica e do se­mestre eu­ropeu. Uma e outro não são senão a trans­fe­rência para as ins­ti­tui­ções da UE de po­deres e prer­ro­ga­tivas – ao nível or­ça­mental mas não só – que hoje re­sidem nos par­la­mentos na­ci­o­nais. Mais: os es­tados-mem­bros de­verão as­se­gurar «que todas as re­formas sig­ni­fi­ca­tivas de po­lí­tica eco­nó­mica pla­ne­adas serão pre­vi­a­mente de­ba­tidas e co­or­de­nadas no quadro da go­ver­nação eco­nó­mica da UE». O Con­selho Eu­ropeu pro­mete ainda ex­plorar uma outra ideia: os países do euro ce­le­brarão «con­vé­nios de na­tu­reza con­tra­tual com as ins­ti­tui­ções da UE sobre as re­formas que se com­pro­metem a em­pre­ender e a res­pec­tiva con­cre­ti­zação».

En­tre­tanto, de acordo com as re­gras já em vigor (da go­ver­nação eco­nó­mica e do se­mestre eu­ropeu), os es­tados-mem­bros de­verão adoptar as re­co­men­da­ções de po­lí­tica eco­nó­mica da Co­missão Eu­ro­peia. Para Por­tugal, des­tacam-se duas: re­duzir sa­lá­rios e di­mi­nuir o pe­ríodo de du­ração do sub­sídio de de­sem­prego. A Bu­si­nes­sEu­rope saúda as am­bi­ci­osas re­co­men­da­ções es­pe­cí­fica por país do se­mestre eu­ropeu. E pede me­didas adi­ci­o­nais, re­formas es­tru­tu­rais am­bi­ci­osas, es­pe­ci­al­mente as que digam res­peito à im­ple­men­tação das obri­ga­ções de­cor­rentes do Pacto para o Euro Mais, como sejam: au­mentar a idade de re­forma, fle­xi­bi­lizar as leis la­bo­rais, pôr fim à con­tra­tação co­lec­tiva.

Para o final, os pa­trões dei­xaram a ce­reja no topo do bolo. Se até aqui al­guém pensou que tudo isto po­deria cheirar a algo muito pouco pa­re­cido com de­mo­cracia, a Bu­si­nes­sEu­rope trata de afastar re­ceios: há que re­forçar a le­gi­ti­mi­dade e o con­trolo de­mo­crá­ticos, dizem. Todas estas re­co­men­da­ções, re­co­nhecem os pa­trões, terão «muito mais cre­di­bi­li­dade se acom­pa­nhadas de me­ca­nismos fortes de le­gi­ti­mação do pro­cesso de de­cisão».

O Con­selho Eu­ropeu, mais uma vez, com­pre­ende e as­se­gura: sim, «são ne­ces­sá­rios só­lidos me­ca­nismos para a le­gi­ti­mação de­mo­crá­tica».

Em breves pin­ce­ladas, uns e ou­tros (os pa­trões e a bu­ro­cracia ao seu ser­viço) enun­ciam, cris­ta­li­na­mente, o seu con­ceito de de­mo­cracia: a adopção de só­lidos me­ca­nismos para tornar mais cre­dí­veis e le­gí­timas as ori­en­ta­ções do grande ca­pital. Quer dizer, as ori­en­ta­ções para sal­va­guardar o euro, seu ins­tru­mento de classe. Quem unirá forças neste nobre es­forço?

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1 Pedro Car­valho, «E o euro, fa­lhou?», Por­tugal e a UE, n.º 61 (Se­tembro 2011)



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