Mais Europa» (aos patrões)
Vale a pena determo-nos um pouco ainda sobre as conclusões do último Conselho Europeu.
Longe dos holofotes da reunião magna, com discrição q.b., a confederação do grande patronato europeu – a BusinessEurope – emitiu um conjunto de recomendações dirigidas aos chefes de Estado e de Governo, poucos dias antes do conclave.
Os patrões consideram que «salvaguardar o euro é essencial». Para tal, instam os líderes europeus a aprofundarem a integração «económica e política». Defendem assim o seu instrumento de classe. O mesmo que permitiu, na última década, que os lucros aumentassem, em média, 36 por cento no conjunto da Zona Euro, enquanto os custos unitários do trabalho reais se comprimiram um por cento.(1) A consigna mais Europa para vencer a crise – cara a uma certa, autoproclamada, esquerda europeísta – cai assim que nem ginjas ao grande capital europeu. Na sua imensa vacuidade, ela serve claros objectivos de classe. Objectivos em nome dos quais vai prevalecendo um esforço de concertação à mesa do Conselho Europeu, apesar das muitas e cada vez mais visíveis contradições e divergências entre as principais potências europeias.
Os patrões defendem um quadro financeiro integrado, que inclua um mecanismo único de supervisão bancária na UE, sob a autoridade do BCE, um mecanismo de resolução e um mecanismo de garantia único de depósitos.
Tudo isto é acolhido nas conclusões do Conselho Europeu. Em nome de uma verdadeira União Económica e Monetária, que garanta longa vida aos objectivos que lhe subjazem.
A BusinessEurope reclama também «mecanismos efectivos para prevenir e corrigir desenvolvimentos orçamentais insustentáveis nos estados-membros». Para isso, apela à existência de uma autoridade central com o poder de forçar alterações às propostas de orçamento nacionais, sempre que estas violem as regras definidas pelas instituições europeias. Uma vez consumada esta transferência de competência da autoridade nacional orçamental para o nível europeu, que garanta um cumprimento estrito dos critérios de Maastricht, os patrões defendem a instituição de um instrumento europeu de dívida – os famosos eurobonds.
O Conselho Europeu obedece e vai mais longe. Nas suas conclusões pede uma implementação rápida da chamada governação económica e do semestre europeu. Uma e outro não são senão a transferência para as instituições da UE de poderes e prerrogativas – ao nível orçamental mas não só – que hoje residem nos parlamentos nacionais. Mais: os estados-membros deverão assegurar «que todas as reformas significativas de política económica planeadas serão previamente debatidas e coordenadas no quadro da governação económica da UE». O Conselho Europeu promete ainda explorar uma outra ideia: os países do euro celebrarão «convénios de natureza contratual com as instituições da UE sobre as reformas que se comprometem a empreender e a respectiva concretização».
Entretanto, de acordo com as regras já em vigor (da governação económica e do semestre europeu), os estados-membros deverão adoptar as recomendações de política económica da Comissão Europeia. Para Portugal, destacam-se duas: reduzir salários e diminuir o período de duração do subsídio de desemprego. A BusinessEurope saúda as ambiciosas recomendações específica por país do semestre europeu. E pede medidas adicionais, reformas estruturais ambiciosas, especialmente as que digam respeito à implementação das obrigações decorrentes do Pacto para o Euro Mais, como sejam: aumentar a idade de reforma, flexibilizar as leis laborais, pôr fim à contratação colectiva.
Para o final, os patrões deixaram a cereja no topo do bolo. Se até aqui alguém pensou que tudo isto poderia cheirar a algo muito pouco parecido com democracia, a BusinessEurope trata de afastar receios: há que reforçar a legitimidade e o controlo democráticos, dizem. Todas estas recomendações, reconhecem os patrões, terão «muito mais credibilidade se acompanhadas de mecanismos fortes de legitimação do processo de decisão».
O Conselho Europeu, mais uma vez, compreende e assegura: sim, «são necessários sólidos mecanismos para a legitimação democrática».
Em breves pinceladas, uns e outros (os patrões e a burocracia ao seu serviço) enunciam, cristalinamente, o seu conceito de democracia: a adopção de sólidos mecanismos para tornar mais credíveis e legítimas as orientações do grande capital. Quer dizer, as orientações para salvaguardar o euro, seu instrumento de classe. Quem unirá forças neste nobre esforço?
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1 Pedro Carvalho, «E o euro, falhou?», Portugal e a UE, n.º 61 (Setembro 2011)