Direita venezuelana igual a si própria
Durante toda a campanha eleitoral o candidato da direita negou-se sistematicamente a declarar pública e atempadamente que reconheceria o resultado emitido pelo CNE, o que muito contribuiu para uma perigosa crispação de um lado e do outro das principais forças políticas em pugna. Por essa razão, foi uma surpresa que tivesse admitido, pouco depois de conhecido oficialmente o resultado da consulta presidencial, que tinha sido derrotado. Reconheceu a «vontade do povo» e afirmou que os seus votantes não deveriam «sentir-se derrotados, porque o tempo de Deus é perfeito». Reconheceu a vontade do povo, mas em nenhum momento houve uma declaração no sentido de reconhecer a autoridade do árbitro eleitoral. Se a margem não tivesse sido tão clara, teria reconhecido a «vontade do povo»? Nunca o saberemos. O que sim sabemos e diz muito do candidato derrotado é que, no dia das eleições, afirmou que seria o primeiro a ligar para Hugo Chávez independentemente do resultado. Não foi isso o que sucedeu. O CNE deu o resultado, ele aceitou que tinha perdido, mas da chamada telefónica nada. As boas maneiras dizem que é o vencido que liga para o vencedor, mas o que se passou foi o vencedor quem ligou para o vencido e tiveram uma «conversa amena». Por que não cumpriu Capriles o que tinha prometido e é da praxe? Ninguém explicou, mas talvez tenha sucedido assim porque não tinha saldo no telemóvel...
Capriles reconheceu a sua derrota – e isso é de cavalheiros – mas nunca perdeu o veneno que lhe vai no sangue. Dois dias depois das eleições alguns dos seus partidários saíram a tomar uma praça pública e a cortar as avenidas adjacentes. Ele voltou a dizer, numa conferência de imprensa, que reconhecia a derrota, que não apoiava essas manifestações (animadas por figuras graúdas da extrema-direita)... mas acusou as forças chavistas de serem os autores das manifestações!
Não há bela sem senão...
Parem a contagem!
No final da tarde do dia das eleições o candidato da direita tinha uma grande pressa para que terminasse a votação. Poucos minutos antes das 18 horas recordou na sua conta twitter que as mesas de votação deveriam fechar à hora acordada (18 horas). Minutos depois publicou um terceiro post: «temos informes de todos os centros (eleitorais) do país e maioritariamente não há bichas, ou seja, devem encerrar já, são 18:01». Por quê tanta pressa? É óbvio que, tendo testemunhas em todas as mesas, já sabia o resultado da eleição e temia que fosse aumentando a vantagem a favor de Hugo Chávez. Tinha razão. No primeiro boletim eleitoral era de quase 10 pontos... agora aproxima-se dos 12!
O ABC da conspiração
Em declarações posteriores à sua vitória, o presidente bolivariano afirmou que tinha derrotado a direita venezuelana e uma coligação internacional. Totalmente certo. Dois dias antes das eleições, Jorge Rodríguez denunciou que, em cumplicidade com a reacção, várias transnacionais da comunicação, entre eles o ABC franquista, iriam anunciar, antes do primeiro resultado oficial, que o vencedor era Capriles Radonski. Dito e feito! O primeiro boletim do CNE foi perto das 22 horas, mas às 19h20 já o ABC tinha informado que, segundo um «poll exit» da empresa Varianza – a mesma que na véspera das eleições afirmou que Capriles ganharia por três pontos de diferença – confirmava-se a vitória da oposição e dava os números de vários estados para «confirmar» o resultado! Tentativa sem sucesso de desestabilizar o país. Ninguém mordeu a isca e a verdade é que em todos os estados referidos quem obteve mais votos foi... Hugo Chávez!
Se alguém pensa que a oposição venezuelana vai ganhar dimensão moral com esta derrota, engana-se. Na segunda-feira seguinte à votação, a direita, no seu desespero, fazia pouco de si própria parodiando o seu slogan de «Há um caminho», acrescentando-lhe «...para o aeroporto!». Neste contexto derrotista correu por tudo o que é facebook, twitter e portais de Internet esta declaração do Diosdado Cabello, presidente do parlamento: «Se não gostam da insegurança, saiam do país». Uma invencionice, que foi rapidamente desmentida pelo visado. Isso forçou o portal oposicionista noticierodigital a publicar uma correcção repondo a verdade. Tal frase, absolutamente estúpida, nunca tinha sido pronunciada e eles tinham cometido – «de boa fé» – o «erro» de «não verificar a origem da informação»...
Mentir não custa nada... e até dá dividendos porque o desmentido teve uma divulgação muito menor do que a mentira.