De bradar aos céus

Jorge Cordeiro

As de­cla­ra­ções do pre­si­dente da con­fe­rência epis­copal terão sido re­ce­bidas mesmo em cír­culos da Igreja ca­tó­lica entre um misto de per­ple­xi­dade e de­si­lusão. Es­perar-se-ia que pe­rante o ro­sário de ex­plo­ração, de­sem­prego e des­truição da vida de mi­lhares de por­tu­gueses que a po­lí­tica do Go­verno e o pacto de agressão estão a se­mear no País, as pa­la­vras do mais alto cargo da Igreja se jun­tasse aos que não aceitam uma vida mar­cada pela in­jus­tiça e as de­si­gual­dades. Assim não foi. As pa­la­vras de Po­li­carpo, ape­lando à re­sig­nada acei­tação do rumo de um em­po­bre­ci­mento ge­ne­ra­li­zado dos por­tu­gueses cons­truído à custa da usura e opu­lência dos po­de­rosos, não podem deixar de ser re­ce­bidas com uma imensa frus­tração por muitos mi­lhares de ca­tó­licos que não só as­piram a uma vida me­lhor como agem em de­fesa da dig­ni­dade e de uma jus­tiça so­cial que ins­cre­veram como seus va­lores. Frus­tração se­gu­ra­mente am­pliada quando a um ina­cei­tável apelo ao con­for­mismo pe­rante as in­jus­tiças se juntam pa­la­vras de apoio e in­fun­dada es­pe­rança numa po­lí­tica que conduz o País para o de­clínio e a vida dos tra­ba­lha­dores e do povo para o in­ferno.

Disse Po­li­carpo que «não se re­solve nada con­tes­tando». Ao con­trário do que afirma, é jus­ta­mente por sa­berem que é lu­tando em de­fesa dos di­reitos de cada um, ele­vando a voz contra a ex­plo­ração e dando ex­pressão ao pro­testo pe­rante o roubo dos seus ren­di­mentos, que cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses, talvez na sua mai­oria ca­tó­licos, não só não se calam como exigem o fim desta po­lí­tica de de­sastre. Nin­guém porá em dú­vida nem os fun­da­mentos te­o­ló­gicos nem o co­nhe­ci­mento das es­cri­turas por parte de Po­li­carpo. Mas com­pre­ender-se-á que não se acei­tando a in­vo­cação em vão, e er­ra­da­mente, do texto cons­ti­tu­ci­onal se lhe re­corde que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica con­sagra não só o di­reito à in­dig­nação e ao pro­testo como o ins­creve como um valor. Com­pre­ende-se assim a amar­gura que per­cor­rerá o co­ração de muitos ca­tó­licos que jul­gavam ver no topo da­quela Igreja que têm como sua, uma voz in­con­for­mada contra as de­si­gual­dades e a po­breza e um es­paço onde se ins­creva, mais que uma res­pei­tável função de ca­ri­dade, a in­subs­ti­tuível dig­ni­dade que a todos é de­vida.



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